sexta-feira, 30 de abril de 2010

HC concedido para a Marcha da Maconha




Depois de ser proibida em 2008 pelo Tribunal de Justiça do Rio, quando um advogado chegou a ser preso (foto acima) por se manifestar no local previsto para o protesto, foi concedido à Marcha da Maconha, no dia 28 de abril, um HC que garante a sua realização.

A passeata deste ano pela legalização ocorrerá em mais de 300 cidades pelo mundo e 9 no Brasil. No Rio de Janeiro será realizada no dia 1º de maio, às 14h no Jardim de Alah (Ipanema).


Segue abaixo a íntegra da Sentença.



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IV JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL
Habeas Corpus nº 0126246-87.2010.8.19.0001


Impetrantes: Nilo Batista, Cláudio Costa, Gerardo Xavier Santiago, André Barros e Maria Clara Batista


Paciente: Renato Athayde Silva


Pretendem, os impetrantes, ordem de habeas corpus preventiva para possibilitar ao paciente participar da denominada Marcha da Maconha, a ser realizada no dia 1º de maio de 2010, nesta Comarca do Rio de Janeiro. Alegam que há risco de prisão e de criminalização, como já ocorreu em 2008, e esclarecem que a Marcha não se destina a incentivar nem o porte, nem o uso da substância.


O MP opinou favoravelmente.


No ano passado, proferi decisão que transcrevo abaixo, pois a hipótese é a mesma.


Em primeiro lugar, cumpre precisar qual a questão jurídica de que se trata realmente para evitar interpretações menos cuidadosas: a questão jurídica sobre a qual vai-se decidir versa sobre a liberdade de expressão ou de manifestação de pensamento, direito fundamental previsto no artigo 5º, IV, e artigo 220 da Constituição brasileira, bem como artigo 10 do Convênio Europeu de Direitos Humanos e artigos XVIII e XIX da Declaração Universal de Direitos Humanos. Versa, também, sobre o direito fundamental de reunião, agasalhado no artigo 5º, XVI, da Constituição e no artigo XX da Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Não se está decidindo absolutamente nada sobre uso de substância entorpecente!


Dessa mesma matriz - liberdade de expressão - surgiu, também, a liberdade de imprensa. Pretender cercear a liberdade de expressão é admitir-se a possibilidade de cercear a outra também. Mas a liberdade de expressão deve ser mais livre ainda que a liberdade de imprensa. Todos os doutrinadores que se dedicam a examinar a natureza das duas liberdades deparam-se com, pelo menos, uma distinção importante entre os dois institutos: o dever de veracidade e de imparcialidade da imprensa, que não ocorre com a liberdade de expressão de um pensamento.


Enquanto que a expressão de uma idéia, uma opinião, um pensamento, não encontra, necessariamente, qualquer apego aos fatos, à veracidade, à imparcialidade, atributos que não lhe cumpre preencher, a informação, como bem jurídico que é, não pode ser confundida como simples manifestação do pensamento. Quem veicula uma informação, ou seja, quem divulga a existência, a ocorrência, o acontecimento de um fato, de uma qualidade, ou de um dado, deve ficar responsável pela demonstração de sua existência objetiva, despida de qualquer apreciação pessoal.


A conclusão que se impõe é que, embora gêneros de uma mesma espécie, a liberdade de manifestação de pensamento deve merecer uma proteção até mais intensa do que merecem os meios de comunicação porque estes têm de prestar alguma obediência à veracidade do que publicam, enquanto aquela não: é livre, desde que não agrida direitos de outrem; não precisa ser verdadeira e não tem a obrigação de ser a opinião mais correta.


O grau de importância que a Constituição atribuiu à livre expressão, como direito fundamental, a põe a salvo de certas investidas do poder público visando à sua limitação. Assim, vige, para ela o princípio distributivo, que assegura-lhe, em princípio, ampla liberdade, na medida em que a intervenção estatal é limitável, controlável e dependente de permissão constitucional, como consagra o artigo 220 da Constituição . Conseqüentemente, aos agentes administrativos e policiais não cabe imiscuírem-se na liberdade de expressão, a título de controlar sua legitimidade, providência de todo inconstitucional.


O exercício livre da liberdade de expressão de pensamentos foi consagrado ao mesmo tempo em que se reivindicou a existência de um espaço público para fazê-lo, que significou, em última instância, uma dimensão pública do indivíduo: o seu direito de participar da vida pública e das decisões do Estado. O ápice desses movimentos sociais aconteceu com as revoluções liberais que, segundo Nelson Saldanha, entronizaram a praça como lugar de decisões históricas.


A idéia de praça indicaria o espaço público, político, econômico, religioso ou militar, e corresponderia ao advento da ordem institucional. É o lócus da opinião pública, conquista dos movimentos liberais. O mesmo autor afirma que ´sem o espaço público, porém, não teria sido historicamente possível a implantação da república nem da democracia moderna, nem a vigência da opinião pública, nem a racionalização da ordem jurídica´ . As praças e as ruas pertencem aos processos sociais e é nelas que os movimentos sociais devem se expressar. Pretender interditar o lugar público para o exercício da liberdade de expressão é desconhecer todo o processo histórico que possibilitou a invenção da democracia.


Quando Ulysses Guimarães e Tancredo Neves levaram milhões de brasileiros às praças públicas para reivindicarem eleições diretas em todos os níveis, no movimento Diretas Já, em 1984, estavam, justamente, ensinando o povo brasileiro a exercitar a democracia, num Brasil em que não havia. Poderiam ser acusados de apologia de crime, enquadrados no artigo 23 da Lei de Segurança Nacional, mas não o foram: nem o regime militar ousou tanto, naquele limiar democrático.


Não há crime de apologia quando o que se pretende é discutir uma política pública, seja a de participação popular no poder, seja a de saúde, seja a fundiária, etc. Não importa muito o teor do pensamento, da argumentação, que será expressa no locus público. Para a Constituição, o que importa é a liberdade de fazê-lo. Pode se tratar de uma grande causa humanitária ou de assuntos de menor importância: não importa, desde que seja feito com respeito.


O Judiciário, nem qualquer outro Poder da República, pode se arrogar a função de censor do que pode ou do que não pode ser discutido numa manifestação social. Quem for contra o que será dito, que faça outra manifestação para dizer que é contra e por que. No caso dos autos, que digam por que a maconha e outras drogas legais, como o álcool, fazem mal a saúde; exibam depoimentos de ex-viciados; transmitam o que dizem os especialistas da saúde etc.


O que não podem fazer é tentar impedi-la.
Isso, sim, seria inconstitucional, atentatório à ordem pública e às liberdades públicas.

Por fim, para que não se diga que o Judiciário é a favor do uso de qualquer tipo de droga, é bom que se proclame que os especialistas em saúde já declararam que quaisquer drogas, bem como o álcool e o cigarro fazem mal à saúde. O problema é que a política pública não é a de informar que todas - só algumas são objeto de informação - fazem mal, nem tem sido a de tratar os usuários, mas a política de repressão, que não está funcionando, como revelam dados da ONU, publicados pela imprensa e trazidos pelos impetrantes.


Isso posto, concede-se a ordem para possibilitar ao paciente a participação na manifestação prevista para o dia 1º/5/2010. Estende-se a ordem, de ofício, para todos os demais participantes que, tal qual o paciente, pretendam participar democraticamente, sem usar e sem incentivar o uso da substância entorpecente referida. Expeça-se salvo conduto, encaminhando-se cópia à Delegacia da área e à Polícia Militar. RJ, 28/04/2010 Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho Juiz de Direito.


terça-feira, 27 de abril de 2010



RIP!: a Remix Manifesto (RIP, um manifesto do Remix) é um documentário dirigido pelo ciberativista Brett Gaylor, e tem como foco principal a discussão acerca dos direitos autorais, propriedade intelectual, compartilhamento de informacão e a cultura do remix nos dias de hoje.

O documentário conta com presenças ilustres como a do produtor Gregg Willis, conhecido no mundo da música como "Girl Talk", Lawrence Lessig, criador da Creative Commons, Gilberto Gil, então Ministro da Cultura no Brasil, o crítico cultural Cory Doctorow, dentre outros.



Enredo


O filme começa introduzindo a arte do remix, através do o trabalho de Girl Talk. Ele faz mashups, ou seja, recorta trechos de diversas músicas e os rearranja em uma disposição totalmente diferente, criando uma nova música.


Aos poucos, Brett Gaylor, que narra o filme em primeira pessoa, vai nos apresentando questões polemicas que giram em torno desse tipo de trabalho, como a guerra que vem sendo travada entre dois grandes exércitos: os "Copyright", que representam as corporações privadas que consideram que idéias são propriedade intelectual e devem ser protegidas e trancafiadas para lucro próprio; e os "Copyleft", que visam compartilhar conteúdo e defendem o domínio público como sendo um espaço para a livre troca de idéias e a garantia do futuro da arte e da cultura.


Diante dessa batalha, e estando no time dos Copyleft, Gaylor e outros defensores da causa criaram o seguinte manifesto:


1) A cultura sempre se constrói baseada no passado;

2) O passado sempre tenta controlar o futuro;

3) O futuro está se tornando menos livre;

4) Para construir sociedades livres é preciso limitar o controle sobre o passado.


terça-feira, 13 de abril de 2010

ATO PÚBLICO, em Niterói, pela defesa do DIREITO À MORADIA e em SOLIDARIEDADE às famílias atingidas

ATO PÚBLICO EM SOLIDARIEDADE ÀS VÍTIMAS DA TRAGÉDIA SOCIAL E EM DEFESA DO DIREITO À MORADIA DIGNA

Dia:
15/04 - Quinta-Feira
Horário:
16h

Concentração:

- em frente ao Colégio Liceu, na Av. Amaral Peixoto - Centro

- no prédio do DCE-UFF

Depois iremos até a Prefeitura
.

Comitê de Solidariedade e Mobilização das Favelas de Niterói
e DCE-UFF


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Nota de Esclarecimento sobre as chuvas em Niterói

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Nós, moradores de favelas de Niterói, fomos duramente atingidos por uma tragédia de grandes dimensões. Essa tragédia, mais do que resultado das chuvas, foi causada pela omissão do poder público. A prefeitura de Niterói investe em obras milionárias para enfeitar a cidade e não faz as obras de infra-estrutura que poderiam salvar vidas. As comunidades de Niterói estão abandonadas à sua própria sorte.

Enquanto isso, com a conivência do poder público, a especulação imobiliária depreda o meio ambiente, ocupa o solo urbano de modo desordenado e submete toda a população à sua ganância.

Quando ainda escavamos a terra com nossas mãos para retirarmos os corpos das dezenas de mortos nos deslizamentos, ouvimos o prefeito Jorge Roberto Silveira, o secretário de obras Mocarzel, o governador Sérgio Cabral e o presidente Lula colocarem em nossas costas a culpa pela tragédia. Estamos indignados, revoltados e recusamos essa culpa. Nossa dor está sendo usada para legitimar os projetos de remoção e retirar o nosso direito à cidade.

Nós, favelados, somos parte da cidade e a construímos com nossas mãos e nosso suor. Não podemos ser culpados por sofrermos com décadas de abandono, por sermos vítimas da brutal desigualdade social brasileira e de um modelo urbano excludente. Os que nos culpam, justamente no momento em que mais precisamos de apoio e solidariedade, jamais souberam o que é perder sua casa, seus pertences, sua vida e sua história em situações como a que vivemos agora.

Nossa indignação é ainda maior que nossa tristeza e, em respeito à nossa dor, exigimos o retratamento imediato das autoridades públicas.

Ao invés de declarações que culpam a chuva ou os mortos, queremos o compromisso com políticas públicas que nos respeitem como cidadãos e seres humanos.


Comitê de Mobilização e Solidariedade das Favelas de Niterói

Associação de Moradores do Morro do Estado
Associação de Moradores do Morro da Chácara
SINDSPREV/RJ
SEPE – Niterói
SINTUFF
DCE-UFF
Mandato do vereador Renatinho (PSOL)
Mandato do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL)
Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFUNK)
Movimento "Direito Para Quem?"
Coletivo do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares
Revista Vírus Planetário

quarta-feira, 7 de abril de 2010

AS MUITAS FACES DE UMA CIDADE



Esse documentário é dedicado aqueles que, cotidianamente, são humilhados, desreipetados, violentados, presos e banidos, considerados feios, sujos e malvados por boa parte da população que insiste em maltratar a classe trabalhadora empobrecida. Esses fingem não saber que a pior violência é a social. Nesse documentário a saída apontada não é a tradicional que clama por filantropia ou caridade. E sim pela solidariedade na luta pelos seus direitos e também em reconhecer sua imensa capacidade e criatividade. Revelando assim suas múltiplas humanidades.

As muitas faces de uma cidade é um retrato real daqueles que insistem em sobreviver. Evidenciando a teimosia desses agentes sociais que resistem e lutam para reestabelecer um sentido mais humano a vida.


Lançamento do Documentário "As Muitas Faces de Uma Cidade"
13 de abril, 19h, UNIOESTE - Campus Foz

Mesa de Debate: (Tensões e Contradições da Cidade)
Mediadora: Silvana Souza (Pedagoga/UNIOESTE)

Debatedores:
Danilo Georges (Historiador/Produção documentário)
Eliseu Pirocelli (Movimento Hip-Hop/Produção documentário)
Jackson Lima (Jornalista)
Adriana Facina (Historiadora/UFF-RJ)

"SE NÃO HOUVER FRUTOS
VALEU A BELEZA DAS FLORES
SE NÃO HAVER FLORES
VALEU A SOMBRA DAS FOLHAS
SE NÃO HOUVER FOLHAS
VALEU A INTENÇÃO DAS SEMENTES"
(HENFIL)


*Postado por Danielo Geroge em http://metamorfozesnacidade.blogspot.com/

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Democracia agrária



Professor da American University (EUA), Miguel Carter pesquisa há quase duas décadas os conflitos fundiários e a luta pela terra no Brasil. Nascido no México e criado no Paraguai, o cientista político percorreu mais de 160 mil quilômetros a bordo de um fusca preto pelos rincões do Brasil desde 1987, quando, ainda estudante, decidiu desbravar o interior com um mochilão nas costas. No início dos anos 90, já com uma bolsa de estudos da Columbia University, voltaria à rotina de viagens pelo País, desta vez com uma proposta de pesquisa mais elaborada, dedicada a lançar luzes sobre a questão fundiária brasileira.

O pesquisador acaba de lançar um livro sobre o tema, Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a reforma agrária no Brasil (Editora Unesp, 564 págs., R$ 65). Trata-se de uma coletânea de artigos escritos por renomados pesquisadores de universidades brasileiras, europeias e dos Estados Unidos, um trabalho que tem sido coordenado e organizado por Carter desde 2003.

Na obra, Carter destaca a importância da reforma agrária para reduzir as desigualdades sociais e defende a necessidade- de o Estado investir em políticas de redistribuição de renda. “Os estudos compravam que, quando temos uma situação de extrema desigualdade, isso atrapalha o desenvolvimento econômico.”

CartaCapital: No Brasil, há quem defenda que o País precisa crescer antes de repartir suas riquezas. O senhor defende o inverso. Por quê?

Miguel Carter: O Banco Mundial e o Bando Interamericano de Desenvolvimento (BID) têm feito estudos importantes, inclusive com avaliações econométricas, comprovando que, quando temos uma situação de extrema desigualdade, isso atrapalha o desenvolvimento econômico. Quem não tem acesso ao crédito, à terra e à educação não tem condições de produzir nem consumir, e isso impede o PIB de crescer. Nancy Birdsall, do Center for Global Development, comparou o desempenho da economia brasileira com o da Coreia do Sul, país que, após a Segunda Guerra Mundial, promoveu uma reforma agrária radical. E, ao fazer uma simulação, constatou que a economia brasileira teria crescido 17,2% mais entre 1960 e 1985 se tivesse os níveis sul-coreanos de igualdade social. A disparidade de renda custou ao Brasil ao menos 0,66% do PIB todos os anos.

CC: O que há de errado com o modelo de desenvolvimento?

MC: A questão central é o tipo de crescimento que estamos promovendo. De acordo com um relatório do Banco Mundial, o Brasil poderia reduzir a pobreza pela metade em dez anos com um crescimento de 3% e uma melhora do coeficiente Gini (indicador de desigualdade) de 5%. No entanto, o País levaria 30 anos para cumprir esse objetivo com os mesmos 3% de crescimento e nenhuma melhora na distribuição de renda.

CC: A reforma agrária é, de fato, capaz de reduzir as disparidades sociais?

MC: Ela é fundamental. Não é o único instrumento. Tem vários outros, como política salarial, de previdência, educação... É o conjunto dessas políticas que pode mudar o quadro de extrema desigualdade. O Brasil melhorou a distribuição de renda, mas ainda é o décimo país mais desigual do mundo. A reforma agrária pode contribuir para a redistribuição das riquezas, além de evitar o êxodo rural e estimular o desenvolvimento local. O Brasil poderia seguir o exemplo de diversos países asiáticos, que há décadas fixaram limites para o tamanho da propriedade rural. Na Coreia do Sul, é de 3 hectares. No Japão, varia de 1 a 10 hectares, conforme o acesso à irrigação.

CC: A que se deve o atraso brasileiro em promover uma ampla reforma agrária?

MC: O principal fator é o poder que tem a elite agrária no Brasil. Desde o tempo de Colônia, é um setor muito forte. Joaquim Nabuco e outros liberais já falavam em reforma agrária na época do Império, mas essa discussão sempre foi barrada. Getúlio Vargas, na década de 30, deu direitos aos trabalhadores urbanos, mas nem sequer permitiu a legalização dos sindicatos rurais. A classe camponesa foi a mais marginalizada e a que sofreu as piores repressões, nos diversos momentos autoritários.

CC: De que forma o governo favoreceu a elite agrária?

MC: No regime militar, o governo decidiu investir no fortalecimento e na modernização da agricultura, com uma grande carga de subsídios. Até hoje o volume de gastos estatais com o chamado agronegócio é muito superior ao pago à agricultura familiar. Estima-se a existência de 22 mil grandes proprietários que receberam, entre 1995 e 2005, algo em torno de 58,2 bilhões de dólares do governo federal. Ao passo que mais de 6,1 milhões de camponeses receberam apenas 10,2 bilhões no mesmo período. Essa política de forte estímulo à agricultura empresarial, em detrimento dos pequenos produtores, é fruto da ditadura.

CC: O que explica o surgimento de um movimento como o MST nesse cenário desfavorável?

MC: Após a redemocratização do País, criou-se um espaço para reivindicações, com maior liberdade de associação. É nesse contexto que surgem os movimentos sociais. No campo, o MST é o maior deles, o mais reconhecido. Mas a reforma agrária promovida nos últimos anos foi conservadora. Houve alguma redistribuição de terra, mas sempre após longos processos burocráticos e de forma residual. Não se redistribui terra pensando em mudar a estrutura agrária. E quase sempre isso ocorre em locais que não são de interesse da elite. Em áreas afastadas, na Amazônia, ou em pastagens não muito valorizadas.

CC: O que garantiu o êxito do MST?

MC: O MST decidiu bem cedo criar um movimento nacional, com dinâmica de mobilização de massas. E conseguiu isso com um êxito sem precedentes na história do Brasil. Juntar 12 mil pessoas, em 17 dias, para uma marcha pelo País em 2005, é uma coisa inédita não apenas na história brasileira como do mundo inteiro. Além disso, o MST criou importantes estratégias. Articulou-se em rede, criou uma estrutura descentralizada, baseada em processos decisórios coletivos. Não existe reforma agrária sem o Estado, assim como é muito difícil o governo promovê-la sem que haja reivindicação, uma demanda organizada. E o MST surge para organizar essa demanda. O movimento contribui para a democratização do País.

CC: Por quê?

MC: O MST vai aonde está a população mais pobre do Brasil e a convida para participar do movimento. O pessoal envolve-se nos acampamentos, aprende sobre os seus direitos, conhece a política do Brasil. Criam-se assim verdadeiras escolas de cidadania. As pessoas de fora entendem essa dinâmica melhor que vários intelectuais do Brasil, que veem uma ocupação de terra como um grande desrespeito ao Estado de Direito. Eles não entendem que a luta pela democratização implica choques desse tipo. Ás vezes é preciso violar certas leis em razão de um princípio maior. Os movimentos sociais não são inimigos, são arquitetos de uma nova ordem jurídica. O movimento operário, por exemplo, foi fundamental para a criação das atuais leis trabalhistas.

CC: E como o Judiciário se porta diante dessas demandas?

MC: O Judiciário, de modo geral, é um grande obstáculo. Não porque as leis são as piores. A lei permite a reforma agrária. O problema é a interpretação. Em boa parte, isso tem relação com a origem de classe dos juízes. Muitos são filhos de grandes fazendeiros, frequentam os mesmos clubes. Também há a questão da formação, que enfatiza certos aspectos da lei, e não outros.

CC: A partir do governo FHC, há uma maior distribuição de terras no Brasil, ainda que sob a perspectiva de uma reforma agrária conservadora, como o senhor define. Há alguma diferença entre a política de FHC e a do governo Lula?

MC: Comparados com os demais presidentes, eles distribuíram mais terra. Fernando Henrique, até pela conjuntura, o massacre de Eldorado dos Carajás, uma mobilização intensa, investiu nisso. Lula, de modo geral, mais ou menos manteve o que FHC fez. Eu tenho uma visão de reforma agrária mais restrita que a do Incra. Eu, por exemplo, excluo dos números da reforma agrária aquilo que é relacionado à regularização fundiária. Também não considero as áreas de reserva extrativista na Amazônia. Sou a favor, mas isso é um outro tipo de política. Excluindo esses dados, o número de assentamentos dos dois é muito semelhante.

CC: Não há nenhuma diferença?

MC: Houve, no governo Lula, a criação de uma série de programas de apoio à reforma agrária, como acesso ao microcrédito, incremento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, aumento da eletrificação rural. Aumentaram os recursos para a agricultura familiar. Nesse sentido, Lula foi menos conservador do que FHC. Por outro lado, Lula assentou muito mais gente na Amazônia e no Norte do Brasil, repetindo um padrão de colonização da época da ditadura.

CC: O Brasil foi capaz de estancar a concentração de terras?

MC: Essa reforma conservadora apenas reduziu o ritmo da concentração de terras, mas não foi capaz de desconcentrar nada. Para isso, seria necessária uma reforma progressista. Mas isso não está em pauta no governo. Está na pauta do MST e de alguns partidos de esquerda. No momento, infelizmente, a disputa é pela sobrevivência dessa reforma conservadora. Ou isso ou nada.