domingo, 26 de dezembro de 2010

OEA CONDENA BRASIL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Decisão da Corte Interamericana abre caminho para revisão da Lei de Anistia e punição dos militares envolvidos em violações de direitos humanos durante a ditadura.

Por Lúcia Rodrigues

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que responsabilizou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de 70 guerrilheiros do Araguaia, joga por terra a sentença do Supremo Tribunal Federal (STF), de 29 de abril de 2010, que impediu a revisão da Lei de Anistia e a consequente punição dos militares envolvidos na violação de direitos humanos durante a ditadura.

Essa é a primeira vez que o Brasil é condenado internacionalmente por crimes cometidos pela ditadura militar. A decisão da OEA não se restringe, no entanto, apenas a responsabilização dos militares envolvidos no desaparecimento forçado, na tortura e morte dos guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que pegaram em armas na região do Araguaia entre os anos de 1972 e 1974. Com a medida, todos os militares que se envolveram em casos de violação de direitos humanos na ditadura poderão ser punidos.

Para a vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Vitória Grabois, a sentença internacional traz um alento para as famílias dos mortos e desaparecidos políticos. “O Brasil é um país atrasado na questão dos direitos humanos. Esperamos que o governo cumpra a decisão da Corte”, frisa a militante de direitos humanos que teve o pai, Mauricio Grabois, o irmão, André Grabois, e o companheiro, Gilberto Olímpio, assassinados pelos militares no Araguaia. Vitória não se conforma com o fato de o governo do presidente Lula ter colocado um general para coordenar as investigações do caso Araguaia.

“Todos os governos civis escamotearam essa questão (militar). Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula. Os dois últimos com mais gravidade. Fernando Henrique porque foi exilado político e Lula porque liderou jornadas de luta operária e foi preso político”, critica o ex-candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Igor Grabois, filho de Vitória e Gilberto Olímpio.

Igor também não esconde a insatisfação com a decisão da presidente Dilma Rousseff em manter o ministro Nelson Jobim à frente da pasta da Defesa. “A Dilma é uma vítima da ditadura, foi presa política, torturada, mas já começa (o governo) com um mau sinal ao nomear o general da banda Jobim, para ministro da Defesa.” O dirigente comunista afirma sentir vergonha pelo fato de o Brasil ainda não ter conseguido passar a história a limpo. “Um país que se orgulha de ser a maior democracia dos países emergentes, não resolve uma questão que se arrasta há mais de 40 anos”, enfatiza.

A Corte Interamericana também foi clara em relação à abertura dos arquivos. Segundo o texto, o Estado brasileiro deve garantir o acesso às informações sobre o período ditatorial. “Temos um fator a mais para fazer diminuir o medo que os nossos governantes têm dos militares”, ressalta Criméia Almeida, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo. Ela perdeu o companheiro André Grabois e o sogro, Maurício, no Araguaia.

“O principal perigo é a manutenção dos agentes da ditadura nos órgãos públicos até hoje. Os generais de hoje eram os tenentes que nos torturavam, que nos punham no pau-de-arara”, ressalta. Criméia também é enfática ao exigir a punição dos militares envolvidos em violações de direitos humanos. “Esperamos que essa ação contra os militares seja penal, porque cometeram crimes imprescritíveis, e queremos que sejam julgados pela justiça civil e não militar, como é hábito no Brasil.”

A decisão da Corte Interamericana só foi possível porque parentes das vítimas do Araguaia impetraram ação na justiça brasileira, para conhecer as circunstâncias de suas mortes e quem são seus assassinos. A ação tramita no Brasil desde 1982. Na OEA, o caso chegou em 1995.

“Procuro meu pai há 37 anos. Não é revanchismo, é justiça. A decisão da Corte, que aconteceu na Costa Rica, mostra que a decisão do STF foi uma decisão política. Essa sentença mostra que não estamos sozinhos”, afirma com lágrimas nos olhos, João Carlos Grabois, o Joca, filho de Criméia e André Grabois, para descrever a saga das famílias que buscam pelos entes desaparecidos.

Segundo a diretora para o Programa do Brasil do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Beatriz Affonso, o Estado brasileiro tentou por diversas vezes conseguir o arquivamento do caso na OEA. Mas com a decisão da Corte, terá de cumprir a sentença. “Não cabe recurso”, conta.

“O Brasil não tem outra opção, vai ter de cumprir a decisão. E precisa fazer isso rápido, para podermos recuperar a nossa história. A sentença tornou a decisão do STF inócua. O judiciário brasileiro precisa aprender e a lição foi dada pela Corte (internacional). Foi um grande aprendizado”, destaca a juíza Kenarik Boujikian Felippe, da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD).

Beatriz lembra, no entanto, que um eventual não cumprimento da decisão por parte Estado brasileiro pode comprometer inclusive a possibilidade de o país disputar o tão cobiçado acento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). “A próxima assembléia da OEA acontece em junho do próximo ano, em El Salvador”, adverte.


* Extraído da versão digital da Revista Caros Amigos.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Chávez ratifica desapropriação de latifúndios

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, ratificou neste domingo (19/12) a desapropriação de vários latifúndios na região do sul do Lago de Maracaibo, no extremo noroeste do país, e ofereceu apoio aos pequenos produtores da região, enquanto alguns afetados pedem uma retificação do governo.

"Recuperamos 47 propriedades que representam quase 25.000 hectares, mas deles há 16 cujos donos estão vivendo ali e estão em produção, a esses vamos reconhecer o título e vamos chegar a um acordo de associação para ajudá-los", disse Chávez.

Chávez confirmou que alguns fazendeiros fizeram uma convocação na população de Santa Bárbara do Zulia para fechar estradas e preparar a resistência à iniciativa oficial, mas assegurou que foi um fracasso.

Também disse que alguns latifundiários fazem parte de "máfias" que contrataram bandidos para matar perto de 200 pessoas, por denunciarem as condições de trabalho "escravo".

*Retirado do site Opera Mundi

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Punição atinge mais pequenos traficantes

Pesquisa revela que massa carcerária de países da América Latina aumenta com pobres ligados ao tráfico. Análise foi realizada com os dados oficiais de oito países da região; condenações por tráfico aumentaram na AL.

Da Folha de São Paulo - 12/12/2010


Pego em uma batida policial em Angra dos Reis (RJ) portando 25 gramas de maconha, o estivador Marcos Vinicius do Espírito Santo, 23, foi condenado a seis anos de prisão em regime fechado no presídio de Bangu 1, no Rio. Alegando ser viciado em maconha desde os 15 anos, ele acabou enquadrado como um traficante de drogas. “Os que perdem são só as pessoas pobres”, disse ele aos pesquisadores das ONGs Wola (Escritório de Washington para a América Latina, na sigla em inglês) e TNI (Transnational Institute).

Baseados em histórias como as de Marcos Vinicius, pesquisadores dessas duas instituições reafirmaram, por meio de dados oficiais de oito países latino americanos, o que o senso comum costuma dizer: os grandes traficantes não estão atrás das grades.

O levantamento foi divulgado na semana passada na Argentina. O resultado mostra que as leis de combate ao tráfico na região tratam usuários e pequenos traficantes com o mesmo rigor que os chefes de organizações criminosas. Prova disso é o aumento de condenados por tráfico de drogas na América Latina.

No Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, 19,2% dos 473 mil presos foram condenados por tráfico. Há cinco anos, eles representavam 9,1% dos 361 mil detentos. Em outros países como Argentina, Bolívia e Equador esse índice é superior a 30% da massa carcerária.

“O número de presos é crescente, mas não se consegue impedir ou reduzir, seja a venda, seja o consumo de drogas ilícitas”, diz a professora de direito penal da Universidade do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, uma das autoras da pesquisa.

RECOMENDAÇÕES

Para tentar reverter o quadro de aumento da população carcerária, as entidades apontam recomendações. Entre elas estão oferecer penas alternativas para os pequenos traficantes, eliminar sanções para quem for pego portando drogas e assegurar a proporcionalidade nas penas distinguindo todas as pontas da cadeia de produção de narcóticos.

sábado, 11 de dezembro de 2010

LONDRES CONTRA O CAPITALISMO

Estudantes do Reino Unido protestam contra reformas da educação.

Parece cada vez mais evidente que a democracia é definida menos pelo exercício do direito de voto do que pelo exercício de tomar as ruas e nos fazermos ouvir. Não só osrecentes casos da Grécia, Irlanda e Portugal, mas todas as "respostas" à "crise financeira", mostram até que ponto o processo político se tornou independente de qualquer senso de responsabilidade, ou de qualquer pretensão de representar as massas.Em vez disso, a influência que muitos grupos e interesses que causaram a crise têm sobre o Estado só parece crescer e se fortalecer. Frente ao instinto de autopreservação desses grupos, que é exibido para o resto de nós como uma sentença de morte, devemos reagir. Procurando adiar o acerto de contas que as diversas crises presentes exigem (finanças, meio ambiente, alimentos, energia), só fazemos prescrever mais do veneno que nos trouxe aonde estamos.

Agora, o Reino Unido está assistindo uma batalha contra esta sentença de morte: o mal-eleito governo, apesar da falta de um mandato claro para qualquer coisa, está tentando passar o que é uma enorme ameaça para a acessibilidade, diversidade e qualidade da educação no país como uma resposta válida para a crise que (eles gostariam que nós acreditássemos) levará a uma maior equidade no futuro. Mas, não é preciso uma pós-graduação para ver através da mentira.Depois de três décadas em que a renda e as oportunidades têm sido engolidas para o topo da pirâmide social como nunca desde a primeira metade do século XX, tudo o que essas "respostas" estão fazendo é enraizar ainda mais as desigualdades.

É importante observar essa ascensão do movimento estudantil na Europa, pois nos encoraja para os desafios que temos pela frente. Apoiamos plenamente todas as ações tomadas contra os cortes na educação, nos serviços públicos e nas artes, incluindo todas as ocupações de universidades acontecendo ao redor do Reino Unido e do mundo, e nos opomos a qualquer tentativa de criminalização destas reivindicações, bem como as estratégias desleais utilizadas pela polícia para assustar as pessoas nas ruas. O mesmo vale para os estudantes e não estudantes que protestam e ocupam na Itália, França, Irlanda, Grécia, EUA, e onde quer que o discurso "estamos todos juntos nisso" esteja sendo usado como cortina de fumaça para criar um fosso cada vez maior entre "nós" e "eles".

Não pensamos que o modelo atual de universidade deve ser preservado. Há muito a mudar, e se há algo que todo mundo concorda é que agora é um bom momento para fazê-lo. A diferença é, precisamente, que grande parte da "mudança" que os governos e o capital têm a oferecer é, na verdade, mais do mesmo.

Independentemente de quanto tempo é preciso para reverter a situação, isso tem que ser apenas o começo.

* Foto extraída do endereço eletrônicohttp://www.boston.com/bigpicture/2010/12/london_tuition_fee_protest.html

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

FUNDADOR DO WIKILEAKS É PRESO E TEM SUAS CONTAS CONGELADAS

Da redação

O australiano de 39 anos fundador do WikiLeaks, Julian Assange, deve ficar preso até o dia 14 de dezembro por decisão de um tribunal em Londres. Detido por um suposto caso de estupro na Suécia, Assange teve seu pedido de fiança negado pela justiça, segundo informações de agências internacionais.


Em entrevista ao Opera Mundi, Assange afirmou que “é fascinante ver os tentáculos da elite norte-americana corrupta. De certo modo, observar essa reação é tão importante quanto ver o material que publicamos. A Paypal e a Amazon congelaram nossas contas por razões políticas”.

Desde que o site começou a publicar telegramas diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos, o WikiLeaks já teve seu domínio original (wikileaks.org) derrubado pelo provedor EveryDNS e suas contas foram congeladas, inclusive algumas que recebiam doações para o projeto.

De acordo com a agência AFP, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, celebrou a notícia sobre a prisão de Assange. "Ainda não estava sabendo, mas me parece uma boa notícia".

Pelo Twitter, o WikiLeaks informou que seguirá com suas atividades: "As ações de hoje (terça-feira) contra nosso editor chefe Julian Assange não afetarão nossas operações: divulgaremos mais telegramas esta noite, como de costume". O site está funcionando no domínio wikileaks.ch

O WikiLeaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, que publica na internet posts de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas sobre temas relevantes.


* Texto extraído da revista virtual de Caros Amigos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Estágio Interdisciplinar de Vivência – EIV/ RJ 2011

7 a 27 de fevereiro

O Estágio Interdisciplinar de Vivência (EIV) em Áreas de Assentamentos e Acampamentos Rurais do Estado do Rio de Janeiro é uma experiência em que @s participantes têm a possibilidade de conhecer e vivenciar a realidade da luta pela Reforma Agrária no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Essa experiência visa aproximar @s estudantes e trabalhador@s urbanos da realidade do campo e dos movimentos sociais, problematizando a questão agrária brasileira e refletindo sobre o papel dos sujeitos envolvidos.

PRÉ-REQUISITO: Seminário de Questão Urbana e Agrária nos dias 18 e 19 de dezembro. O evento será na UFRRJ, Universidade RURAL em Seropédica. A Coordenação Político-Pedagógica irá disponibilizar um ônibus gratuito para transportar @s participantes que solicitarem na inscrição, saindo do centro do Rio no dia 17 à noite. Nesse final de semana discutiremos temas como: “O Papel do Estado, A Questão Agrária e O Papel da Educação”. Além disso, apresentaremos o EIV e a sua metodologia.

Obs.: Vagas limitadas tanto em relação ao ônibus como ao total de participantes no Seminário!

Inscrições e mais informações pelo blog: http://neararj.wordpress.com

Contato: neararj@yahoo.com.br

Neara - RJ

Núcleo Estudantil de Apoio à Reforma Agrária

terça-feira, 9 de novembro de 2010

POLÍCIA FEDERAL RETIRA SEM TETOS DE PRÉDIO DO INSS ABANDONADO HÁ MAIS DE 10 ANOS

Por Eduardo Sá

Cerca de 50 famílias foram retiradas pela Polícia Federal na última segunda-feira (01) de um prédio do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), no centro do Rio, após quase dois dias de ocupação. O edifício fica na Rua Sara, no bairro do Santo Cristo, e segundo os relatos da vizinhança está desativado há mais de 10 anos.

A “ocupação guerreiro urbano”, como é chamada por seus integrantes, foi realizada de forma pacífica por sem tetos com o apoio de alguns movimentos e simpatizantes. A Polícia Federal informou que foi acionada pela empresa de segurança cujo vigia trabalha no local. Com o apoio da Polícia Militar todos os ocupantes foram retirados do prédio. De acordo com as lideranças dos sem teto, três pessoas foram levadas para a delegacia mas já foram liberadas.

De acordo com o relato dos ocupantes, o prédio foi ocupado no último sábado (30) à noite, quando os integrantes quebraram a corrente da porta e começaram a limpar o edifício para dar um fim social ao estabelecimento. Um dos integrantes dos coletivos de apoio à ocupação, Rafael Almeida, que está fazendo mestrado de geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participou desde o início do processo e criticou a atitude da polícia na hora do despejo. Segundo ele, além do tratamento indevido por parte dos policiais, não foi apresentado nenhum documento de reintegração de posse do imóvel, o que seria um procedimento ilegal.

“Estamos reivindicando que o prédio cumpra o seu papel. O direito à moradia é um direito constitucional que todo cidadão brasileiro tem, e essas pessoas não têm moradia, estão em casa de parentes, amigos ou na rua. A polícia federal chegou, a gente pediu a presença do Iterj [Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro], que é o mediador de conflitos, e a presença do Conselho Tutelar, porque tem crianças e idosos aqui; mulher grávida também. Eles entraram de forma extremamente violenta, agrediram verbalmente, jogaram gás de pimenta, o delegado responsável se negou a se identificar e pediu a identificação de todos que prontamente se identificaram. Isso gerou uma revolta, nenhum policial estava com identificação, o que é ilegal”, criticou o ocupante.

A Polícia Federal informou em nota que “foi acionada pelos seguranças do imóvel e agiu, prontamente, para evitar a ocupação. A resposta da equipe policial ocorreu na mesma madrugada que o prédio estava sendo ocupado, segundo informações apuradas pelos policiais. A desocupação do imóvel transcorreu pacificamente sem emprego de qualquer tipo de armamento ou gás de efeito psicológico ou moral”.

O defensor público do Núcleo de Terras e Habitação do estado do Rio de Janeiro, Alexandre Mendes, esteve no local logo após o despejo e afirmou que será realizada uma apuração sobre o procedimento dos policiais. Ele destacou que essas famílias sem teto não têm alternativa de moradia e estavam ocupando um espaço sem destinação social, como previsto em lei.

“A defensoria vai avaliar mais o procedimento policial de retirada, porque há uma forma legal para fazer qualquer despejo de pessoas. Se houver qualquer irregularidade, nós vamos encaminhar para a corregedoria de polícia. A legislação diz claramente que toda propriedade, inclusive pública, tem que ter uma destinação social. Principalmente se for do órgão da previdência social, que deveria ser usado para os direitos sociais e não ficar abandonado: inclusive gerando despesas para a União, para manter um aparato de segurança para proteção de prédios abandonados, que muitas vezes ainda oferecem risco para os pedestres”, disse o defensor público.

Ainda de acordo com Alexandre Mendes, a defensoria defende que qualquer despejo forçado deve ser realizado com uma ordem judicial fundamentando, de acordo com a resolução das Nações Unidas. Ele observou que o abandono de prédios do INSS é uma situação mais geral que existe no Rio de Janeiro e em outros lugares, e a luta é para que esses prédios se tornem habitação social. Essa seria uma alternativa, “já que há um déficit habitacional que todo mundo conhece”, ressaltou.

Carlos Alberto, desempregado, participou pela primeira vez de uma ocupação. Ele disse que entrou no movimento porque está precisando de moradia e não tem como pagar o aluguel.

“Eu vi nesse movimento do sem teto uma oportunidade de obter uma moradia, já que atua na legalidade pois só podemos ocupar prédios ociosos há mais de 5/10 anos. Quem está arbitrário aqui são eles, se você observar o prédio ele está completamente abandonado. Não tinha segurança, e já venceu o prazo de 72 horas”, afirmou.

Outro ocupante retirado do prédio foi Marcos Ferreira, que é camelô e estudante, pretende fazer a prova do Enem no próximo fim de semana. Ele disse que pessoas passaram mal e as crianças se retiraram, pois os policiais deram tiros para dispersar as pessoas.

“As pessoas querem ter uma moradia digna. Por que querem levar as pessoas só para zona norte ou oeste se a maioria delas ganha um salário baixo no centro do Rio? Ninguém quer enfrentamento, apenas um lugar para morar”, desabafou.

Segundo o manifesto do movimento, “o déficit habitacional do município é maior do que 150.000 (estimativa oficialmente subestimada), sendo que em cada 10 pessoas que necessitam de moradia, 9 ganham de 0 a 3 salários mínimos. Mesmo com tanta gente precisando de moradia, existem mais de 220 mil domicílios vagos no município do Rio de Janeiro”.

O INSS informou, por meio de sua assessoria, que o prédio não está abandonado, e sim desocupado e mantido sob vigilância da empresa Protex Segurança.

"O imóvel foi adquirido pelo ex Instituto de Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), através de permuta de imóveis para fins de utilização pelo ex-INAMPS. Atualmente não existe previsão de uso por esta Gerência executiva. Está em processo de alienação para o Ministério das Cidades para habitação popular, processo em andamento, cuja finalização da venda está na dependência da Caixa Econômica Federal que é responsável pelo pagamento".

* Texto extraído da revista eletrônica Fazendo Média.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DIREITOS TRABALHISTAS


Por Leonardo Maia

Em 2009 sete trabalhadores de empresas das telecomunicações morreram em serviço: duas quedas de torre, uma eletrocução e quatro acidentes em veículos. Neste ano, duas pessoas já morreram e diversas outras ficaram mutiladas. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Piauí (SINTTEL), João de Moura, há 30 anos que não havia acidentes com a instalação de torres de telefonia.

O sindicato denuncia não só o aumento no número de mortos e feridos em acidentes de trabalho, como também o aumento da exploração do trabalhador. “As condições de trabalho são terríveis. Há uma forte sobrecarga de trabalho e a precarização das relações de emprego”, aponta.

Com a privatização das telecomunicações, as empresas diminuíram o quadro de funcionários e terceirizaram quase todos os serviços. “Na época da Telepisa, um trabalho que antes era feito por 600 pessoas, agora é feito por 400. Os funcionários são condicionados a trabalhar diuturnamente, sem nenhum descanso, e o gerenciamento desse pessoal é feito através de empresas terceirizadas”, relata Moura.

Para as empresas de telecomunicações, a terceirização dos serviços significa economia. Além de diminuir o número de funcionários, os trabalhadores aceitam trabalhar sem assinar a carteira, e assim recebem um valor acima do que normalmente receberiam. Em compensação não têm a garantia de nenhum dos direitos trabalhistas. Dessa forma, o trabalhador é quem responde pelos seus próprios atos, ou seja, nem ele, nem sua família possuem direito a indenização, caso sofra algum acidente de trabalho.

A empresa contrata aquela pessoa apenas para prestar determinado serviço. Portanto, as condições de trabalho são inseguras e falta qualificação do profissional. Isso mostra que é necessário o governo tomar uma séria providência para que esses acidentes sejam evitados.



Consequências da privatização

Para os grandes defensores das privatizações, os serviços de telecomunicações servem de grande exemplo para justificar a privatização de serviços públicos. Conforme atesta a jornalista econômica da rede globo Mirian Leitão, o número de casas com acesso ao serviço de telefonia saiu de 19%, em 1992, para 85% em 2009. Ela ainda faz um paralelo desses dados com o número de casas com acesso a esgoto e fossa séptica, mostrando que o serviço de saneamento básico, ainda público, teve um retrocesso nos últimos anos.

A jornalista deixa bem claro na sua coluna a ideia de que a privatização é a solução para os vácuos deixados nas administrações públicas. “Os fatos não deixam dúvidas de que a privatização ampliou de forma impressionante a telefonia e que o avanço no saneamento básico foi lento no governo tucano e no governo PT”, enfatiza Mirian.

De fato houve ampliação do acesso à telefonia, principalmente do telefone móvel. No entanto há contradições nesse discurso. Seja qual for a privatização, o lucro se sobrepõe a obrigação social da empresa. Então é preciso refletir sobre a seguinte questão: qual o preço que a população pagou e ainda paga pela ampliação desses serviços?

A primeira consequência foi o aumento no custo das tarifas. Em 1994, quando ainda existia a extinta Telebras, empresa estatal, a assinatura do serviço custava apenas R$ 0,55 centavos. Agora é cobrado R$ 43, o que da direito a falar apenas 200 minutos por mês de ligações locais, pouco mais de seis minutos por dia, os pulsos excedentes são cobrados e os interurbanos ficam cada vez mais caros.

Outra mudança, é que antes, quem assegurava o investimento da empresa era a venda de ações, ou seja, o usuário se tornava um sócio da empresa. Quando não queria mais usufruir da linha telefônica, ele tinha o direito de vender suas ações para outras pessoas. Porém o acesso a esse serviço ainda era bastante limitado. Com a privatização isso passou a ser prestação de serviço e o acesso foi ampliado. Contudo, havia capacidade de prover em 100% a população, sem, necessariamente, ter que privatizar. Mas o governo não fez porque estava sendo impedido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que na época mantinha um forte controle da política econômica local.

Tanto é, que um dos principais argumentos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que, com a privatização, as empresas fariam grandes investimentos no setor, contradiz a realidade dos fatos. Quem mais investiu na privatização dessa empresa foi o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), uma empresa pública federal. Só a Oi, a empresa que assumiu a Telebras na época, recebeu um investimento de R$ 35 bilhões do BNDES. Portanto, essa justificativa é enganosa.



As más condições dos serviços
As péssimas condições dos serviços de telecomunicações é outra característica que não mudou com a privatização. Telefones públicos estão abandonados e cabos da rede telefônica se encontram soltos. É preciso compreender que a telefonia fixa ainda é uma concessão pública. Portanto as empresas devem cumprir com obrigações sociais, como o compromisso de colocar orelhões e garantir a manutenção dos aparelhos.

Já a telefonia móvel é apenas uma permissão. “Por isso as empresas preferem empurrar o usuário para uma telefonia móvel, porque assim não vão se preocupar com a manutenção do aparelho. Para a empresa o custo é quase zero. Ela vai gastar só com relação ao atendimento ao consumidor, para receber reclamações”, explica João de Moura.

No fixo, o gasto por ligação é só de R$ 0,08 centavos. Dependendo do plano escolhido pelo usuário, a ligação feita em telefone móvel pode ser ainda mais barata. Mas isso é uma armadilha. A pessoa coloca o crédito com bônus, mas a promoção só serve para um telefone da mesma companhia. A empresa transfere todos os inconvenientes para o usuário, que acaba utilizando os serviços de várias operadoras, com a intenção de diminuir os gastos com telefone.

Além da população pagar caro na ligação, por um serviço mal oferecido, o atendimento automático foi feito para cansar o usuário. A pessoa é obrigada a ouvir a gravação toda, na sequência, para poder dizer o que deseja. Isso não só estressa, como também desestimula a pessoa a fazer a reclamação. Se o governo não tem controle sobre a prestação desses serviços e a população não reclama, essa situação tende a se agravar.

*Extraído da edição virtual de Caros Amigos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

DEPUTADOS URUGUAIOS INVALIDAM LEI QUE ANISTIAVA REPRESSORES DA DITADURA

Por Marina Terrano

A Câmara dos Deputados do Uruguai invalidou na noite desta quarta-feira (20/10) a Lei de Caducidade, que impede julgar as violações aos direitos humanos feitas por militares e policiais durante a ditadura (1973-1985) e que chegou a ser ratificada em dois referendos em 1989 e 2009.

O projeto de lei que declara inaplicável a Lei de Caducidade, impulsionado pelo bloco governista de esquerda Frente Ampla e que ainda deve ser ratificado pelo Senado, foi aprovado com o voto favorável de 50 dos 80 deputados que compareceram à sessão, informaram à Agência Efe fontes legislativas.

Segundo o texto aprovado, os tribunais uruguaios terão de considerar protegidas pela Constituição todas as normas internacionais de defesa dos direitos humanos assinadas pelo país e, portanto, tornar “inaplicável” a Lei de Caducidade.

A medida veio após 12 horas de debate e só foi possível graças à maioria que a Frente Ampla tem na Câmara, já que contou com a rejeição frontal de todos os partidos opositores, liderados pelo Nacional e pelo Colorado. A discussão parlamentar foi acalorada, com gritos, acusações e inclusive algumas lágrimas, tudo assistido por dezenas de pessoas nas bancadas do Palácio Legislativo, enquanto ativistas de direitos humanos protestavam com cartazes do lado de fora do prédio.

Reações

Para conseguir a maioria, o FA orientou que todos os seus deputados apoiassem a medida, após alguns deles expressassem dúvidas sobre a idoneidade da proposta ao longo da semana. “Vamos votar esta lei estritamente por razões de disciplina partidária”, admitiu em seu discurso o parlamentar Carlos Gamou, da Frente Ampla.

Vários senadores governistas, entre eles o ex-vice-presidente Rodolfo Nin Novoa, já anunciaram que votarão contra a lei no Senado, o que põe em perigo a ratificação definitiva.

O atual vice-presidente do país, Danilo Astori, que também é senador, reconheceu inclusive que, embora vá votar a favor da medida, entende “os argumentos razoáveis” que existem para não apoiá-la.

Justamente pelo fato de a lei ter sido ratificada em referendo recentemente, a oposição criticou a medida de ontem. “Não se pode convocar o povo para decidir sobre um tema e o governo depois, fazendo uso da maioria, desconhecer essa vontade soberana, dar as costas ao povo”, afirmou a deputada do Partido Nacional Analía Piñeyrúa. No entanto, ela ressaltou que o posicionamento da oposição “não implica de nenhum modo a defesa daqueles que se beneficiaram da lei”, afirmou à agência France Press.

Ao explicar o projeto, o deputado Felipe Michelini, disse que a lei é a mais “indigna” da história jurídica uruguaia e disse que a intenção de anulá-la “não está amparada nem na soberania e nem no ódio”.

“Se trata de uma defesa à Constituição, porque corrobora sentença da Suprema Corte que declarou a lei inconstitucional, baseado no artigo 4§ da Carta Magna”, completou Michelini, segundo a agência estatal argentina Télam.

* Extraído do Fazendo Média.

sábado, 16 de outubro de 2010

PRONUNCIAMENTO PÚBLICO DO CEDECA-RJ


PRONUNCIAMENTO PÚBLICO DO

CEDECA-RJ


Sobre a decisão da Dra. Maria Daniella Binato de Castro, Juíza da Vara da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, que indeferiu o pedido do Educandário Santo Expedito - ESE, unidade de internação do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) proibindo que o adolescente L.F.S. internado no ESE pudesse ir ao velório do irmão.


“Nenhum tipo de violência é justificável e todo tipo de violência é evitável”

(ONU, Estudo Mundial sobre Violência contra Crianças)


Lamentamos profundamente a decisão da r. Magistrada que em 14/10/2010 que proibiu a saída do adolescente L.F.S. para que comparecesse ao enterro do irmão.


Provavelmente a sentença socioeducativa que determinou a internação do adolescente, tenha vedado a possibilidade de atividades externas, dependendo, portanto de autorização judicial, caso contrário o próprio dirigente do centro de internação autorizaria a saída do adolescente sob vigilância.


Sem adentrar no mérito da decisão e nem fazer juízo de valor, principalmente pelo fato de não estarmos habilitados no processo, mas na condição de organização que acompanha o drama da família de L.F.S., não poderíamos deixar de manifestar nossa indignação com a r. decisão e nos solidarizar com a família de L.F.S.


Certamente a decisão judicial que impediu que o adolescente prestasse sua última homenagem ao irmão falecido marcará tão profundamente a vida de L.F.S. tanto quanto a angústia e tensão da internação.


“Enfim, ao se pretender traçar o perfil deste Juiz estar-se-á falando de um Magistrado qualificado e comprometido, apto a trazer para o cotidiano de sua jurisdição a eficácia das normas do sistema, incorporando uma Normativa Internacional que deve conhecer tão bem quanto as normas de seu sistema nacional. Não poderá, porém, em momento algum este profissional deixar de indignar-se com a injustiça, tampouco perder a qualidade de, mesmo mantendo-se em sua posição de julgador, ser capaz de emocionar-se com a dor de seu jurisdicionado. Aqueles que endurecem nesta atuação, que não mais se emocionam, não servem mais para o que fazem.

Há, sim, um Novo Direito, e deve existir um Novo Juiz. Aliás, se não existir um Novo Juiz, apto a operar este Novo Direito; Novo Direito não existirá, pois ao Juiz compete dar eficácia às normas”. (in O perfil do Juiz e o Novo Direito da Infância e da Juventude. João Batista Costa Saraiva, Juiz da Infância e Juventude de Santo Angêlo – RS)

Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA – Rio de Janeiro


Filiado à:

Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED (Seção DCI Brasil)

Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei – RENADE

Rede Não Bata, Eduque - RNBE

Rede Rio Criança - RRC


CEDECA - RIO DE JANEIRO (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente)
Avenida General Justo, 275 Sala 317-A, Bloco B – Castelo - 20.021-130 - Rio de Janeiro – RJ - Brasil
website:
www.cedecarj.org.br e-mail: cedecarj@cedecarj.org.br skype: cedeca.rj Telefone: (55 21) 3091-4666

Apoio:
VIC - Vlaams Internationaal Centrum e
Stichting Sint Martinus - Nederland

Filiado à ANCED - Asssociação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Seção DCI Brasil)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ALUNA DE COMUNICAÇÃO É HUMILHADA POR PROFESSORA

Liberdade de imprensa passa, necessariamente, pela liberdade de opinião
Por Silvana Sá

Todos esperamos ter liberdade para manifestar livremente pensamento, para compartilhar ideias e ideais. Sentimo-nos ultrajados, profundamente ofendidos, quando alguém tenta calar a voz dos que defendem causas justas.Quando apontam de forma distorcida ideias defendidas, sem partir para o debate, mas para ofensas pessoais. Jornalistas, estudantes de comunicação, comunicadores populares são, em geral, os mais críticos a situações dessa natureza. O que dizer, então, quando isso ocorre numa universidade conceituada, numa turma de Jornalismo? Como se sentir diante de uma professora que insulta, ofende, humilha um estudante em nome de uma tal “imparcialidade”? Que critica e impõe como verdade seus preconceitos?

Infelizmente, foi o que aconteceu na manhã do dia 5 de outubro, na turma de jornalismo, na aula de “Laboratório de Jornalismo Impresso” da professora Marília Martins. A instituição de ensino: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Precisamente às 7h daquele dia, os estudantes entravam em sala para receberem suas notas da primeira avaliação semestral. Ao entregar os trabalhos e as notas, a professora, dirigiu-se à turma e, de forma – no mínimo – deselegante, começou a proferir ofensas contra uma das alunas.

A estudante em questão é Gizele Martins, figurinha conhecida na mídia sindical, nos movimentos sociais e, sobretudo, na Maré. Estudante do sétimo período de jornalismo, Gizele fez uma matéria sobre o direito à moradia, focando nas ocupações urbanas. O assunto havia sido previamente comunicado à professora, que autorizou a confecção da matéria.

Ao comentar sobre as avaliações, a professora disse que uma das alunas havia redigido uma matéria que, embora muito bem escrita, era “totalmente parcial”. Disse, ainda, que a estudante, que citou em seu texto o MST e o Movimento Sem Teto, em nenhum momento os considera “criminosos”. De acordo com relatos dos estudantes que assistiam à aula, a professora chegou a afirmar que “o que resta para esse tipo de jornalista que defende, que apóia criminoso, é a cadeia”. Ainda afirmou que os estudantes deveriam guardar seus diplomas, assim que o recebessem, “para ter uma cela de luxo na cadeia”.

E a professora não parou por aí. Chegou a afirmar que quem faz “esse tipo de jornalismo” (que defende causas sociais, que luta pelo interesse coletivo, que buscar trabalhar pela justiça social) “é parcial, criminoso, defensor do crime” e que o jornalista “deve ser processado, julgado por lei”. A turma, atônita, ouvia os absurdos.

Para finalizar, Marília Martins afirmou ser defensora da liberdade de imprensa (perguntamos: qual liberdade?) e disse que a estudante Gizele nunca terá espaço nos grandes jornais e nem onde ela trabalha. Ao final dos insultos, a aluna retirou-se de sala.

Os estudantes de jornalismo da PUC-Rio, especialmente os que presenciaram os ataques da professora, estão se mobilizando para solicitar à direção da universidade, com apoio político de outros movimentos da PUC-Rio, punição à docente.

E nós, abaixo-assinados, repudiamos veementemente a postura da professora que não agiu com ética para com a estudante. Além da questão ética, completamente ausente no episódio, faltou à professora senso de responsabilidade, total desconhecimento da função social de um docente e do papel verdadeiro do jornalista. Esses profissionais, ao contrário do que costumam apregoar os “escolões”, não são meros “copiadores da realidade”. São agentes políticos e sociais importante, que atuam não só no campo da informação, mas também da formação. O jornalista não é um robô, mas um cidadão que tem direito (já que vivemos em uma democracia) de expressar a livre opinião – ainda que tenha que seguir, em geral, linhas editoriais bastante conservadoras quando trabalham na imprensa comercial – o que não é o caso de Gizele, que estava defendendo ideias políticas numa universidade.

Assim como faltaram elementos importantes na conduta da professora, também sobraram outros lamentáveis. Sobrou muito preconceito, sobrou desinformação, sobrou distorção da realidade, sobraram acusações indevidas, sobrou assédio moral. Sobrou humilhação à estudante, sobrou criminalização dos movimentos sociais e do jornalismo combativo que atua na defesa desses movimentos.

Para dizer NÃO a essa prática preconceituosa e para exigir medidas efetivas da direção da universidade – reconhecida por sua qualidade no ensino, tanto na graduação quanto na pós-graduação – para que situações como essa não voltem a se repetir numa instituição de ensino, que tem como papel fundamental estimular o debate e a livre circulação de ideias, é que nos manifestamos.

* Extraído do Blog de O Cidadão.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Legalizar o Aborto

Em 28 de setembro, mulheres de toda a América Latina saem às ruas para lutar por um direito que já é garantido há tempos às européias, estadunidenses e canadenses: o direito de interromper uma gravidez indesejada. É o Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe.
Por Túlio Vianna

intervenção em um muro de La Paz, Bolívia

O aborto não é crime na maioria esmagadora dos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, se uma mulher desejar interromper uma gravidez por questões socioeconômicas, poderá fazê-lo sem maiores riscos para sua saúde em um hospital, de forma plenamente legal.

No Brasil, o aborto é tratado como crime e tanto a mulher que o praticar, como quem de qualquer forma auxiliá-la, poderão ser presos. Os rigores da legislação brasileira, porém, não impedem que os abortos sejam realizados clandestinamente. A Pesquisa Nacional do Aborto, publicada pela Universidade de Brasília (UNB) este ano, estimou que 1 em cada 5 mulheres brasileiras já realizaram aborto, sendo que metade delas foram internadas devido a complicações causadas pelo procedimento.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) constatou que, entre 1995 e 2007, a curetagem pós-aborto foi a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde (não foram levadas em conta cirurgias cardíacas, partos e pequenas intervenções que não exigem a internação do paciente). Foram 3,1 milhões de curetagens e estima-se que a maioria delas sejam decorrentes de abortos provocados.

Por que então não garantir às brasileiras o mesmo direito ao aborto já garantido às norte-americanas e europeias e evitar tantos riscos desnecessários à sua saúde?

Direito à vida

O argumento central de quem é contrário à legalização do aborto é que a vida humana surge no momento da concepção e que, a partir de então, este seria um direito a se garantir ao embrião. Claro que esta é uma concepção de cunho exclusivamente religioso.

Cientificamente, não é possível se determinar ao certo quando começa a vida humana. Nas 12 primeiras semanas de gestação (período em que o aborto é permitido, na maioria dos países onde é legalizado), o feto ainda não desenvolveu seu sistema nervoso e para considerá-lo vivo neste estágio, seria preciso rever o próprio conceito jurídico de morte. Isso porque a lei 9.434/97 permite o transplante de órgãos desde que haja morte cerebral, ainda que, eventualmente, o coração continue a bater. E, se é a morte cerebral que indica o fim da vida, é razoável entender que o início da vida humana surge com a “vida cerebral”, o que seria impossível nas primeiras 12 semanas, antes da formação do sistema nervoso do feto.

No entanto, o conceito de vida defendido pelos opositores da legalização do aborto parece ser bem mais amplo do que qualquer um que possa ser estabelecido por critérios científicos. A ponto de abarcar, inclusive, fetos sem cérebros, como se vê por algumas das teses defendidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, que tramita no Supremo Tribunal Federal desde 2004 e trata da interrupção de gravidez nos casos de anencefalia do feto. Já passados 6 anos, ainda não houve tempo suficiente para que o STF concluísse o óbvio ululante: sem cérebro, não há vida humana a ser protegida, então não há crime de aborto.

Infelizmente, o debate sobre o aborto no Brasil não se faz com base em constatações científicas ou jurídicas. O aborto é discutido no Brasil com base em dogmas religiosos, como os do arcebispo de Olinda e Recife Dom José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos e os parentes de uma menina de 9 anos de idade que foi estuprada por seu padrasto e precisou realizar um aborto para se livrar de uma gravidez de gêmeos que lhe causava risco de morte. Detalhe: o padrasto que estuprou a menina não foi excomungado por Sua Excelência Reverendíssima, que considerou este crime menos grave que o aborto.

É preciso entender, porém, que o Brasil é uma república laica e, portanto, não se pode admitir que qualquer religião imponha seus dogmas aos demais, muito menos por meio de criminalizações.

Questão social

A legalização do aborto é uma questão de saúde pública que atinge quase que exclusivamente as mulheres pobres, que não têm condições financeiras de arcar com o alto custo de um aborto em alguma das maternidades de luxo que realizam a cirurgia ilegalmente. Para uma mulher rica que tenha uma gravidez indesejável, a solução – ainda que ilícita – é recorrer a uma boa maternidade onde conversando com a pessoa certa e pagando o preço necessário poderá abortar com toda a infraestrutura e higiene de um bom hospital.

Ainda que não optem pelo procedimento cirúrgico, as mulheres de melhor condição socioeconômica têm um acesso muito mais amplo a informações sobre como realizar o auto-aborto de forma relativamente segura. Há vários sites internacionais dedicados a esclarecer às mulheres dos países onde o aborto ainda é proibido como utilizar medicamentos para este fim. No International Consortium for Medical Abortion , por exemplo, há informações de como usar o remédio Cytotec (Misoprostol) em conjunto com o Mifiprex (Mifepristone), de forma a tornar o procedimento um pouco mais seguro e menos doloroso.

Para a maioria das mulheres brasileiras, porém, este tipo de informação ainda não é acessível e elas acabam adquirindo o Cytotec no mercado paralelo e “aprendendo” como usá-lo com o próprio vendedor que, em geral, não possui qualquer conhecimento médico. Sem informação, utilizam o Cytotec sem qualquer outro medicamento, obrigando a uma dosagem maior, diminuindo as chances de sucesso e tornando todo o procedimento mais arriscado e doloroso. Por se tratar de um comércio ilegal, sem qualquer tipo de controle por parte da Anvisa, há ainda o sério risco de adquirir um produto falsificado.

Outra significativa parcela de mulheres pobres opta por realizar o aborto por procedimentos de curetagem ou sucção em clínicas clandestinas, sem as mínimas condições de higiene e infraestrutura. São procedimentos bastante arriscados para a vida e saúde delas e muitas acabam sendo socorridas nos hospitais do SUS, após abortos mal sucedidos. As complicações não raras vezes levam à morte, sendo o aborto a terceira causa de morte materna no Brasil, segundo pesquisa do IPAS.

Legalização

A criminalização do aborto não evita o aborto, mas tão-somente obriga a mulher a realizá-lo na clandestinidade. As ricas pagando um alto preço pelo sigilo e segurança do procedimento e as pobres relegadas à própria sorte, em um oceano de desinformação e preconceito.

O debate sobre a descriminalização do aborto não é sobre o direito ou não de a gestante abortar, mas sobre o direito ou não de a gestante ter auxílio médico para abortar. A Constituição brasileira garante em seu artigo 226, §7º, que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

O que se vê, porém, no Brasil é uma completa interferência do Estado no direito da mulher de decidir ter ou não um filho, amparado em uma interpretação religiosa do direito constitucional à vida. O axioma católico de que a vida inicia na concepção é apresentado como fundamento “jurídico” contra a legalização do aborto, no Estado laico brasileiro. É este dogma religioso o grande responsável pelo cerceamento do direito constitucional ao livre planejamento familiar.

A criminalização do aborto no Brasil coloca nossas leis ao lado da tradição legislativa de países do Oriente Médio e da África, ainda marcada por uma intensa influência religiosa, e nos distancia dos Estados laicos da Europa e da América do Norte.

Direitos fundamentais, como é o direito à liberdade de planejamento familiar, não podem ser cerceados com base na fé em dogmas religiosos. O Estado é laico e ainda que a maioria da população brasileira acredite que o aborto é um grave pecado que deve ser punido com a excomunhão, estas concepções religiosas não podem ser impostas por meio de leis que criminalizam condutas, pois a separação entre Estado e religião é uma garantia constitucional.

Os abortos acontecem e acontecerão, com ou sem a criminalização, pois nenhuma lei conseguirá constranger uma mulher a ter um filho contra sua vontade. Não é um fato que agrade à mulher que se submete a ele, ao Estado, ou a quem quer que seja. Mas acontece.

Cabe ao Estado legalizar a prática e evitar os males maiores que são consequências dos abortos realizados sem assistência médica: os danos à saúde ou mesmo a morte da mulher. Talvez esta mudança na lei não faça muita diferença para os homens ou para as mulheres ricas que não sentem na pele as consequências de sua criminalização; mas para as mulheres pobres esta seria a única lei que, de fato, poderia ser chamada de pró-vida.

Túlio Vianna é professor da Faculdade de Direito da UFMG.