Desde a implementação do sistema de cotas na UERJ, tem crescido o debate sobre o tema no meio acadêmico. Este artigo procura questionar alguns dos argumentos de que setores conservadores da sociedade se valem para deslegitimar essa política afirmativa.
Em um país bacharelesco como o Brasil, o primeiro argumento de quem se põe contrário ao sistema de cotas é a sua pretensa inconstitucionalidade, por “ferir o princípio da igualdade”. Embora pareça contundente, tal opinião se torna insustentável quando o referido princípio é interpretado à luz dos ensinamentos de Ruy Barbosa, para quem a promoção da igualdade pressupõe tratamento igual entre iguais e desigual entre desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso quer dizer que um negro pobre, favelado, que trabalha desde criança para completar a renda de sua família deve ser submetido aos mesmos critérios de ingresso na Universidade que um branco, de classe média, morador de Ipanema, cuja única atribuição é estudar para o vestibular? É evidente que não.
Por outro lado, deve ser rechaçada a alternativa de um sistema cujo parâmetro para entrada na universidade seja somente econômico. O objetivo central da política de cotas é dar oportunidade a todos os brasileiros para que contribuam, com o seu olhar sobre a realidade, para o conhecimento produzido pela Universidade. Não se trata somente de democratizar o acesso à universidade – mais que isso, as cotas permitem que diferentes setores da sociedade participem da produção de saber, a partir de outras perspectivas que não aquela a que se acostumou nossa academia.
No entanto, nada é mais absurdo do que alegar que, por não haver correlação exata entre o tom de pele de alguém e a predominância de genes de determinada etnia em seu DNA, seria inadequado promover uma política de cotas raciais. O preconceito contra negros, pardos, indígenas e sua inclusão seletiva na sociedade não se estabelecem a partir do exame de seus códigos genéticos, mas, sim, a partir de suas características físicas observáveis, seus traços marcantes e seu posicionamento sócio-econômico. Como se vê, tais elementos são muito mais de fundo sociológico do que biológico.
Se nossa intenção é construir uma sociedade mais justa e igualitária, cabe a nós não só defender a política afirmativa que estabelece cotas para ingresso nas universidades, enquanto mecanismo útil para equilibrar o acesso a elas e pluralizar sua produção de conhecimento, como também lutar, incansavelmente, por um ensino básico público e de qualidade. Só assim garantiremos, seguindo os ensinamentos de Paulo Freire, que a Universidade produza um conhecimento dos oprimidos, que apenas por eles pode ser produzido. Esse é o passo decisivo para a construção de uma Universidade democrática e plural.
*Texto publicado no Jornal do Movimento "Direito Para Quem?" - número V, de junho de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário