domingo, 31 de maio de 2009

QUEM SÃO OS PIRATAS?

ESTÃO NOS MENTINDO SOBRE OS PIRATAS
Por Johann Hari (*)

Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real Inglesa – e navios de mais 12 nações, dos EUA à China – navega rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os governos ‘ocidentais’ estão rotulando como “uma das maiores ameaças de nosso tempo” têm uma história extraordinária a contar – e, se não têm toda a razão, têm pelo menos muita razão.


Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na “era de ouro dos piratas” – de 1650 a 1730 – o governo britânico criou, como recurso de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem propósito, o Barba Azul que ainda sobrevive. Muita gente sempre soube disso e muitos sempre suspeitaram da farsa: afinal, os piratas foram muitas vezes salvos das galés, nos braços de multidões que os defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam, que nunca soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro
Villains Of All Nations, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito interessantes.

Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes naqueles dias – se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse jovem e vivesse faminto –, você fatalmente acabaria embarcado num inferno flutuante, de grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso, sempre faminto e sem dormir. E, se se rebelasse, lá estavam o todo-poderoso comandante e seu chicote. Se você insistisse, era a prancha e os tubarões. E ao final de meses ou anos dessa vida, seu salário quase sempre lhe era roubado.


Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo. Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de trabalhar nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se dos navios; depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e todas as decisões eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os butins eram partilhados entre todos, solução que, nas palavras de Rediker, foi “um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século 18”.


Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os piratas mostraram “muito claramente – e muito subversivamente – que os navios não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como fazia a Marinha Real Inglesa.” Por isso eram vistos como heróis românticos, embora sempre fossem ladrões improdutivos.


As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês chamado William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria new age que está em todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser enforcado em Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: “O que fiz, fiz para não morrer. Não encontrei outra saída, além da pirataria, para sobreviver”.

O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta.


Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.

Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: “Alguém está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos.” Parte do que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de “descarregá-los” e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse ‘negócio’, ele suspirou: “Nada. Não há nem descontaminação, nem compensação, nem prevenção".


Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela superexploração – e, agora, está superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome. Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: “Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália".

Esse é o contexto do qual nasceram os “piratas” somalianos. São pescadores somalianos, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma espécie de compensação.


Os somalianos chamam-se “Guarda Costeira Voluntária da Somália”. A maioria dos somalianos os conhecem sob essa designação. [Matéria importante sobre isso, emThe Armada is not a solution”.] Pesquisa divulgada pelo site somaliano independente WardheerNews informa que 70% dos somalianos “aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional”.

Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há gangsteres misturados nessa luta – por exemplo, os que assaltaram os carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali, disse: “Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso peixe.” William Scott entenderia perfeitamente.


Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se matar de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo… imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.

A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso e levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou “o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares.” O pirata riu e respondeu: “O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador”. Hoje, outra vez, a grande frota européia lança-se ao mar, rumo à Somália – mas… quem é o ladrão?


(*) Johann Hari é jornalista. Artigo publicado originalmente no sítio do jornal britânico The Independent no dia 05/01/2009. retirado de www.fazendomedia.com

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Anistia Internacional é contra a contrução de muros em comunidades

O globo - 15/05/2009 - Fábio Vasconcellos

Anistia Internacional classificou ontem a política de segurança do governo do estado como sendo uma ação de extermínio e discriminação. Segundo a Entidade, nos últimod nove anos, não foram adotadas medidas para evitar o grande número de mortes em operações policiais em favelas, como também pouco se fez para impedir o avanço das milícias.

O representante da Anistia no Brasil, Tim Cahill, recebeu o relatório "Muros nas favelas e o processo de Criminalização" feito por 20 organizações sociais de defesa dos direitos humanos (entre elas o Movimento Direito Para Quem?), durante o encontro na Ordem dos Advogados do Brasil. Cahill e os participantes da reunião criticaram a decisão do governo de contruir muros em tonro de 11 comunidades. Eles também foram contra as ações do choque de ordem feitas pela prefeitura.

- Nos últimos nove anos, os casos específicos de violação de direitos humanos se ampliaram. Virou uma política de estado. São ações de extermínio e de descriminação, como essa de construir muros em favelas - disse Cahill, que levará o relatório para o Parlamento Britânico, onde será discutida hoje a violência no Brasil.


BAIXE AQUI O RELATÓRIO ENTREGUE A ANISTIA INTERNACIONAL.

sábado, 16 de maio de 2009

Pirataria em Debate


A repressão penal à violação da propriedade intelectual está na agenda das diversas agências de controle social. No Ministério da Justiça, foi criada uma estrutura especial para isso, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria. Não sem razão foi criada no Rio de Janeiro uma delegacia especializada neste tipo de delito, a DRCPIM (Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial).


Esta agenda criminal é fortemente influenciada pela iniciativa privada, haja vista os fóruns de debates criados para debater o tema. Em quase todos os debates a perspectiva é a da inquestionável defesa da propriedade intelectual, fora as propagandas que tentam convencer de que copiar uma música é como roubar um carro.


A perspectiva sedimentada aponta para uma visão de que o próprio trabalhador informal é o responsável pela sua não inserção no mercado formal de trabalho. E o lado perverso desse processo de criminalização amplia-se quando se sabe que o imaginário social é construído ideologicamente na noção de que existe uma relação entre o trabalhador ambulante e o tráfico de drogas.


Assim, o funcionamento do poder público está fortemente influenciado pela construção ideológica de que a violação à propriedade intelectual é um dos grandes problemas da sociedade brasileira. Porém, em verdade esta é uma demanda que interessa a uma meia dúzia de empresas que exploram este tipo de produtos.


Há que se debater sobre a constitucionalidade deste tipo penal, uma vez que a origem histórica dos direitos de propriedade intelectual não tem o sentido de proteger as obras dos autores, mas sim garantir o monopólio de reprodução das mesmas.


Dessa forma amplia-se a inserção do direito penal no mundo da vida, regulando fenômenos que deveriam apenas ser tutelados pela obrigação cível.


O professor Túlio Vianna tem tido destacado papel na defesa da inconstitucionalidade do artigo 184 do Código Penal, dando uma importante contribuição para uma outra visão sobre o tema:


“é um tipo penal vago, fundamentado em um bem jurídico indeterminado. É uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da taxatividade, pois reúne sob o rótulo de “propriedade intelectual” uma gama de interesses tão diversos quanto: o direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita, entre outros direitos morais, e os direitos de edição, reprodução (copyright) e outros patrimoniais (...) de um tipo penal complexo que tutela não um, mas inúmeros bens jurídicos de natureza moral e patrimonial, agrupados sob a ideologia da “propriedade intelectual” (Túlio Vianna – Parecer sobre a inconstitucionalidade do art. 184 do CP).


quinta-feira, 7 de maio de 2009

MILÍCIAS: SEGURANÇA PÚBLICA EM DEBATE

“O debate sobre as milícias finalmente foi colocado em pauta no Rio de Janeiro. A sociedade demorou a despertar para esse fenômeno que, quando surgiu, há cerca de oito anos, chegou a ser tratado com benevolência por algumas autoridades. Em uma defesa ideológica totalmente inadequada, alegou-se que as milícias representam um “mal menor” e que, diante da falta de policiamento e da precariedade da segurança pública, a ação desses grupos seria preferível ao poder dos narcotraficantes.

A realidade das milícias é bem distinta. Seus membros são agentes públicos que afirmam seu poder alegando ser representantes da lei. Introjetam a figura do xerife, valorizando a ostentação da carteira funcional, do distintivo e da arma oficial. Mesmo em plena atividade criminosa, se apresentam como integrantes do Estado, tirando proveito de apelos morais como o fim das drogas, das badernas, dos assaltos e dos roubos. E, em troca dessa suposta tranqüilidade, impõem um preço. As milícias exercem seu domínio para extorquir dinheiro diretamente dos moradores. A idéia é: “Eu te protejo de mim mesmo”. Ou seja, o meio de persuasão é a capacidade de terror que a própria milícia produz.

As leis estabelecidas em lugares onde o Estado – que deveria determinar as regras cotidianas das pessoas que ali vivem – se mostra ausente não são as que estão na Constituição ou que são votadas na Assembléia Legislativa. O “tribunal” que julga os conflitos ocorridos nesses espaços urbanos nada tem a ver com o Judiciário. Na mesma lógica, a presença de grupos armados ilegais faz com que o uso da força deixe de ser exclusividade do poder público.”