terça-feira, 23 de junho de 2009

"O que é o roubo de um banco, comparado à fundação de um banco?" (Bertold Brecht, Ópera dos Três Vinténs)


UMA IDEOLOGIA PARA O STJ

Mais uma Súmula favorável aos bancos

Gerivaldo Alves Neiva*

O STJ editou mais uma Súmula (382) relacionada aos contratos bancários. É a terceira em menos de um mês. Desta feita, entenderam os ministros do STJ que “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

Há poucos dias, (05.05.2009), através da Súmula 380, o STJ manifestou entendimento de que “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.” No mesmo dia, anunciou o STJ, através da Súmula 381, que “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”

Critiquei com veemência as duas primeiras Súmulas com base na principiologia consumerista e civilista, defendendo posicionamento jurídico diferente, inclusive citando outros julgados do próprio STJ. Depois dessa última Súmula, porém, não vejo que tenha mais importância a crítica com base em princípios jurídicos. Não adianta mais. O caso do STJ é de outra ordem. É opção ideológica mesmo!

Como se diz aqui no sertão: “além da queda, o coice”. Ora, já foi dito pelo STJ que ao julgador é vedado o conhecimento de ofício das cláusulas abusivas nos contratos bancários (será que pode em outros contratos?). Sendo assim, quer dizer logo o STJ, antes que algum julgador se arvore a fazer diferente, que estipular juros em taxas estratosféricas, por si só, não constitui abusividade. Com a benção do STJ, portanto, a usura está ressuscitada! Viva o STJ!

O “sétimo ai!” do profeta Isaías contra os grandes de Judá nunca foi tão atual: “Ai dos que promulgam decretos iníquos e, quando redigem, codificam a miséria; afastam do tribunal os indefesos, privam dos seus direitos os pobres do meu povo, fazem das viúvas a sua presa e despojam os órfãos.” Is 10, 1-2.
Sobre o enriquecimento através dos juros exorbitantes, de outro lado, nem é preciso citar Marx, pois Aristóteles, mais de três séculos antes de Cristo, já manifestava indignação com relação à usura: “o que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo...” 1

Qual a justificativa, portanto, para as recentes Súmulas do STJ relacionadas aos contratos bancários e à fixação das taxas de juros? Como imaginar taxas acima de 12% ao ano quando a própria taxa Selic, em queda contínua, está fixada pelo Comitê de Política Monetária em “10,25 % a.a., sem viés, por unanimidade”, conforme consta da Ata da última reunião do Copom?

Não tenho dúvida, por fim, de que há um elemento fortemente ideológico nas motivações do STJ. Com efeito, segundo o Des. Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “todo homem, e assim também o juiz, é levado a dar significado e alcance universal e até transcendente àquela ordem de valores imprimida em sua consciência individual. Depois, vê tais valores nas regras jurídicas. Contudo, estas não são postas só por si. É a motivação ideológica da sentença. Pelo menos três ideologias resistem ao tempo e influenciam mais ou menos o juiz: o capitalismo, o machismo e o racismo.” 2 Observa ainda o Des. Rui Portanova que “o juiz que não tem valores e diz que seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. O juiz tem que ter a sinceridade de reconhecer a impossibilidade de sentença neutra.” 3

No mesmo sentido, outro grande magistrado brasileiro, João Batista Herkenhoff, constata que é inevitável a aplicação axiológica do Direito pelo Juiz, pois “queira ou não queira, consciente ou inconscientemente, está, a todo instante, trabalhando com uma tabela axiológica, filosofando.” 4
Em consequência, segundo outro grande magistrado brasileiro, Lédio Rosa de Andrade, os julgadores se acham “neutros, aplicadores não só do direito, mas também da justiça. Sequer cogita, a maioria, e a minoria não admite, a possibilidade de serem legitimadores, os julgadores, do poder instituído, de estarem agindo, segundo os interesses de uma pequena classe privilegiada.” 5
O que se quer dizer, por fim, é que o conteúdo das referidas Súmulas, mais do que ilegais ou contrárias aos princípios gerais do Direito, apenas refletem, quer eles queiram ou não, a ideologia dos ministros do STJ. Portanto, não se trata de má-fé ou desconhecimento do Direito, mas uma opção ideológica que confirma, na prática, a suposição do Des. Rui Portanova: “a lei nem sempre revela o Direito. Pelo contrário, muitas vezes consagra privilégios.” 6

Em minha opinião, as Súmulas do STJ também, pois segundo outro grande magistrado brasileiro, Amilton Bueno de Carvalho, “quem é cego ou neutro na disputa entre opressor e oprimido é aliado daquele.” 7

Conceição do Coité, 30 de maio de 2009.

* Juiz de Direito em Conceição do Coité – BA.

1ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 24.
2 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000, p.16.
3 Op. cit. p. 74.
4 HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 93.
5 ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 47.
6 Op. cit. p. 68.
7 CARVALHO, Amilton Bueno. Magistratura e direito alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1992, p. 26.

Charge: http://www.danielneto.com.br/weblog/images/charge-dalcio.jpg

3 comentários:

Anônimo disse...

Sou leigo no assunto até hoje sempre que fui lesado pelos bancos acabei pagando, deixando de lado a busca de meus direitos, motivado pelo que todos falam: "comprar briga com banco é perda de tempo". Até ser realmente prejudicado por um banco e entrar com uma ação contra o mesmo. Agora tenho certeza que realmente é perda de tempo e este sentimento é geral cada vez mais os bancos vão cometer os seus desmandos e o cidadão entendendo que o "STJ" sempre protege os bancos desistirá de reclamar seus direitos.
MAS DEIXO AQUI MINHA PERGUNTA E INDIGNAÇÃO. O STJ NÃO DEVERIA SER IMPARCIAL E DEFENDER "TAMBÉM" OS DIREITOS DO CIDADÃO!!

Anônimo disse...

Não deveria haver um movimento por parte dos órgãos de defesa do
consumidor, meios de comunicação, OAB entre outros, ou vamos
Ficar reféns desta situação?

João-Pelotas/RS

Thais Martinelli disse...

Anônimos,
a luta pelos direitos sociais, dentre eles a esfera de proteção consumerista, tem sido de fato árdua. Uma primeira derrota quanto aos bancos foi a consideração do Decreto-Lei 70/66 constitucional pelo STF, que prevê a ser possível a Caixa Econômica executar sem processo judicial uma dívida de financiamento de imóvel, em que haja atraso de 3 parcelas ou mais. Um absurdo! Outra coisa absurda é a prática de anatocismo, ou seja, juros sobre juros, condenada pela Lei da Usura (Dec. 22626/33) e pela Lei 1521/51, que prevê crimes contra a economia popular, mas não se aplicam aos bancos (!!!). Para não se achar que tudo é ruim, depois de muita luta os tribunais superiores admitiram que o CDC se aplica aos bancos. Também se admite a revisão de contratos bancários quando forem de adesão (sem negociação das clausulas pelo consumidor) e o limite das prestações para que não ultrapassem 30% do rendimento da pessoa. Recentemente, foram revistas algumas tarifas bancárias, hoje certos serviços são isentos de cobrança, inclusive. Mas de fato, é necessário que haja uma pressão pela revisão de toda a política financeira/ bancária, evitando que se fique refém desses detentores de capital especulativo.