domingo, 7 de dezembro de 2008

Greve na UERJ

A greve na UERJ começou no dia 8 de setembro por força de uma deliberação coletiva em uma assembléia docente. Semanalmente, ocorrem assembléias de professores convocadas pela entidade representativa dos docentes, a ASDUERJ, onde a manutenção ou fim da greve é deliberado pelo voto. A adesão ao movimento é de aproximadamente 75%. A greve, que marcou o divórcio da comunidade acaêmica com o Reitor, reivindicava mais verbas para a UERJ – depois de anos de cortes, insuficiente até para a manutenção da universidade no estado em que ela se encontra – o reajuste salarial e o Plano de Carreira Docente (PCD). Sobre o PCD, a história é longa...

O PCD
Em 2007, foi aprovado pelo Conselho Universitário (órgão deliberativo máximo da UERJ) um Plano de Carreira Docente que previa a progressão salarial por tempo de serviço para estimular o professor a desenvolver sua carreira dentro da Uerj, como também o regime de dedicação exclusiva para alguns professores, já utilizado por todas as universidades públicas do estado (inclusive a outra estadual, a UENF). Entretanto, este plano que contava com apoio quase unânime da comunidade universitária, foi deixado de lado em 2008 após a posse da nova Reitoria.
Acontece que o Reitor possui laços políticos de aliança com o governador e seu grupo. Basta ver que um dos três membros da comissão formada por Vieiralves para negociar com os estudantes ocupados, Marcelo Costa (seu orientando de doutorado) acaba de ser nomeado pelo recém eleito Prefeito, Eduardo Paes, Secretário de desenvolvimento econômico. A própria história de Vieiralves também demonstra esses laços (veja na pág. 7). Devido a essa relação política, a Reitoria, que deveria agir em defesa dos interesses da comunidade acadêmica, começou a agir em conjunto com o Governador. No caso do PCD, o resultado dessa postura de subserviência ao governo foi que Reitor e Governador elaboraram outro Plano, sem dedicação exclusiva e sem reajuste até pelo menos 2011, e enviaram o fruto dessa união ao legislativo estadual para aprovação. O Plano aprovado no Conselho Universitário com o consenso dos conselheiros e da Asduerj foi para o lixo, a despeito das assembléias que, por ampla maioria, decidiram reivindica-lo.

O Orçamento
Mas voltando à questão do orçamento, cabe lembrar que, pela primeira vez na história da Uerj, a própria Reitoria cortou parte do orçamento para o ano que vem. Ainda na etapa de votação e aprovação da Proposta Orçamentária, o Reitor encaminhou no Conselho Universitário que a Uerj deveria solicitar ao governo uma quantia de no máximo 6% da arrecadação tributária líquida do Estado. Segundo o Reitor, era uma forma de “respeitar” o parágrafo primeiro do artigo 309 da Constituição Estadual. No entanto, ficou claro que, das duas, uma: ou ele não leu direito o artigo, ou ele quer se fingir de bobo e defender os interesses do Governador dentro da Uerj. Veja o que diz a Constituição:

§ 1º - O poder público destinará anualmente à Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, dotação definida de acordo com a lei orçamentária estadual nunca inferior a 6% da receita tributária líquida, que lhe será transferida em duodécimos, mensalmente.

Assim, o próprio Reitor da Uerj estipulou que o primeiro corte orçamentário da universidade teria que ser feito pelo ConsUni, já que a proposta orçamentária da Uerj não deveria ulytrapassar aquilo que a Constituição Estadual claramente chama de mínimo.
Pouco tempo depois dessa atrocidade, o governador ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em face deste artigo, conseguindo uma liminar suspendendo sua eficácia. Logo após, anunciou o orçamento previsto para a Uerj no ano que vem: o equivalente a cerca de 2% da arrecadação tribuntária líquida do Estado, ou seja, novo recorde: mais da metade da verba que a Uerj precisa não virá para a universidade...
Com isso, a situação se agrava. Nada de reajuste real, nada de melhorias, nada de concursos. Os salários dos profissionais da Uerj continuarão defasados e muito menores do que os da UFRJ, CEFET e demais universidades públicas, os estudantes continuarão assistindo seus professores indo embora e a universidade corre um sério risco de acabar como está a maioria das escolas estaduais. É contra isso que os grevistas lutam.

O DPQ entrevistou dois professores da Faculdade. Um contra a greve (Arthur Gueiros) e um a favor (Rodrigo Lichowsky). Leia as entrevistas abaixo.


- Professor Arthur Gueiros, o que o senhor acha da situação da greve, atualmente?
Prof. Artur Gueiros: Bom, do que eu vejo, depois de tantos anos, é que cada greve tem uma história. Essa, particularmente, é uma greve que não está, aparentemente, mobilizando a comunidade da universidade. Então, como outras greves tiveram outras peculiaridades, essa é uma greve que não está ganhando adesão, na minha opinião, da comunidade universitária, em geral.

- E a situação da UERJ?
Prof. Artur Gueiros: A situação da uerj é uma situação crítica, há problemas graves aqui, há necessidade de um melhor investimento, uma recuperação da infra-estrutura, bem como do salário dos profissionais que aqui trabalham e a expectativa é que os governantes olhem com mais cuidado a uerj e que de fato aportem mais capital, já que a uerj está precisando realmente de uma melhora.

- E o sobre o direito de greve, abstratamente, o que o senhor pensa?
Prof. Artur Gueiros: O direito de greve é um direito assegurado na constituição, tanto para a iniciativa privada como para o serviço público. Eu acho que, abstratamente, é próprio da democracia o direito de greve, mas é, na minha opinião, o último recurso que se deve utilizar, ou seja, quando findarem todas as negociações. Do que eu pude acompanhar, as negociações com o governo do estado nãoestavam encerradas, então, na minha opinião, teria havido um certo açodamento. O problema da uerj é um problema de décadas e talvez a greve não fosse o momento adequado, deveria se avançar mais nas negociações, antes de se adotar essa atitude extrema. Essa é uma opinião respeitando opiniões de outros colegas.

- Então, só para concluir a segunda pergunta, o senhor acha que, no momento, a greve não é adequada?

Prof. Artur Gueiros: Bem, a greve já tem algum período. Eu acho que o momento em que ela foi iniciada foi um momento em que estavam sendo discutidas as pretensões. O governo fez uma proposta, uma proposta evidentemente que admitindo contrapropostas, então ainda estava num processo natural de negociação. Então, acho que não foi um momento, na minha opinião, adequado. Só depois de encerrada a negociação é que se deve, na minha opinião, partir para um extremo de fazer greve, porque em toda greve alguém sai prejudicado. Na greve de transportes, quem pega ônibus pra voltar pra casa é prejudicado, na greve de hospitais, quem precisa de hospital de saúde é prejudicado e, na greve da universidade, tem também um prejudicado e esse prejudicado, na minha opinião, são os alunos.


Prof. Rodrigo Lychowski:
1. Como definir a situação atual na UERJ?
Antes de mais nada, devo dizer que eu tenho um grande carinho pela UERJ, pois para mim, ela é uma espécie de segundo lar. É que eu entrei como aluno de graduação em 1986, terminei o bacharelado em Direito em 1990; posteriormente cursei o Mestrado em Direito da Cidade no período de 1991/1994, lecionei como professor substituto de diversas disciplinas em 1993 e dede março de 1999 leciono a disciplina Direito do Trabalho. Enfim, são 22 (vinte e dois) anos de UERJ, ao passo que tenho 40 anos de idade!
Quanto ao quadro atual da UERJ, falando em termos objetivos, o quadro é bastante difícil. Vejo hoje uma UERJ dividida em dois grupos: de um lado, os que têm uma concepção coletiva e social, e que tem consciência do seu papel na formação de jovens que irão mudar o futuro do Rio e da nação, enfim que atuam como verdadeiros servidores públicos, do povo; e de outro, infelizmente, docentes e servidores que tem uma postura individualista, que parecem não ter consciência da enorme responsabilidade de lecionar e trabalhar em uma universidade pública. No fundo, a greve não é tratada como um direito (fundamental), mas sim como um delito, quase como se fosse uma "questão de polícia". Também me incomoda profundamente que, apesar da greve ter sido deflagrada através da vontade livre e da maioria dos docentes, servidores (e alunos que apoiaram a greve), em algumas unidades - como a Faculdade de Direito - há o funcionamento normal das atividades, o que para mim nada mais é do que a prevalência da vontade da minoria em detrimento da vontade da maioria. Outro aspecto relevante que ser mencionado foi o fato de que o plano de carreira foi enviado pelo Governador ao Magnífico Reitor, e não à ASDUERJ. O Governador desconsiderou o plano de carreira docente aprovado pelo CONSUNI em dezembro de 2007, e em seu lugar, nos bastidores, elaborou um plano - sem ouvir a ASDUERJ - e que fere o princípio da isonomia, já que prevê aumentos diferenciados para as diversas categorias de professores (de auxiliar à titular). Isto sem falar no fato de que o reajuste será concedido em 07 parcelas até 2011! E os servidores e docentes da UERJ estão sem reajuste há 08 (oito) anos!
Assim, no meu modesto pensar, o plano de carreira docente enviado pelo Governador carece de legitimidade e é de constitucionalidade duvidosa.


2. Greve como instrumento de reivindicação
Como eu dizia no início, em nosso país e em muitos outros, apesar de reconhecida como direito coletivo dos trabalhadores no texto constitucional, na realidade fática o direito de greve não é tratado como direito, mas como um delito, como algo nefasto. É evidente que ninguém gosta de deflagrar greve ou sofrer os efeitos de uma greve, por exemplo, os alunos e a sociedade civil. Todavia, muitas vezes, e me parece ser este o caso da UERJ, a greve é o último recurso dos trabalhadores e servidores para pressionar o empregador privado ou público, de forma que este atenda as suas reivindicações. Enfim, quando a negociação coletiva é inviável, os trabalhadores e servidores se reúnem em assembléia e decidem, pela maioria de votos, como a sua última forma de pressão, não trabalhar. Foi isto que ocorreu na UERJ. Tentou-se um ano e meio a negociação com o Governador que, não obstante ter prometido em campanha o reajuste salarial para os servidores da UERJ e a chamou de "jóia da coroa", o Governador Cabral jamais recebeu a ASDUERJ ou o SINTUPERJ. Diante dessa recusa, após 07 (sete) anos sem reajuste, de forma livre e majoritária - disso eu sou testemunha - os servidores e docentes decidiram pela deflagração da greve.

3. Legitimidade do direito de greve
Antes de falar sobre sua legitimidade, é importante ressaltar que a greve tem a natureza jurídica de um direito coletivo - e não individual - dos trabalhadores e servidores, que importa em não trabalhar, como último meio de pressão.
A legitimidade da greve se afere pela forma como ela é deliberada, pelos motivos que acarretaram a sua deflagração. Assim, legítima será a greve quando os trabalhadores e servidores esgotarem todas as tentativas de negociação coletiva com o empregador privado ou público. Legítima também será a greve, cujo fundamento seja a melhoria social de uma categoria profissional, como, por exemplo, reajuste salarial, melhores condições de trabalho, fim de assédio moral no local de trabalho. Por fim, quando a greve é decidida pela vontade da maioria da categoria, ou seja, quando a vontade coletiva de uma categoria de trabalhadores ou servidores quer fazer greve, aí então teremos uma greve legítima. Ora, todos esses três requisitos foram observados na greve deflagrada na UERJ, o que a torna legítima.
É bom lembrar também que a greve desempenha um papel político lato sensu relevante. Assim, as greves no ABC, lideradas pelo então operário Lula, assim como a greve geral deflagrada pelo Sindicato "Solidariedade" na Polônia, sob a liderança de Lech Walesa, foram fundamentais para a volta à democracia nesses dois países.

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