terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Ninguém vai morar em área de risco porque quer ou porque é burro"

*por Raquel Rolnik - http://raquelrolnik.wordpress.com/

Na última terça-feira participei do Jornal da TV Cultura, falando sobre o problema das chuvas que atingem várias regiões do nosso país nesta época do ano. Depois da apresentação de uma reportagem que mostrava deslizamentos de encostas e perdas de vidas em várias cidades, a primeira pergunta do apresentador Heródoto Barbeiro foi: “isso tem solução?”

Segue abaixo a minha resposta:

“Tem solução, sim. Evidentemente algumas medidas são paliativas. Há formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a condição de segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.

Mas a questão de fundo é que  ninguém vai morar numa área de risco porque quer ou porque é burro. As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem. Estamos falando de trabalhadores cujo rendimento não possibilita a compra ou aluguel de uma moradia num local adequado. E isso se repete em todas as cidades e regiões metropolitanas.

Não adiantam nada as obras paliativas aqui e ali se não tocarmos nesse ponto fundamental que é: quais são os locais adequados, ou seja, fora das áreas de risco, que serão abertos ou disponibilizados para que a população de menor renda possa morar?”.


*Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Contra a a criminalização da pirataria


por Pablo Ortellado*

O ano de 2011 definitivamente não começou bem. Logo no dia 5 de janeiro o poder executivo encaminhou o PL 8052/2011 que simplifica o processo dos “crimes de pirataria” e o mesmo, perigosamente, foi apensado ao PL 2729/2003 que aumenta as penas. Acredito que esses dois projetos – sobretudo o segundo – são contrários ao interesse público e atendem exclusivamente aos interesses dos detentores de grandes portfolios de direitos autorais. O apensamento dos dois projetos indica também uma manobra para acelerar a tramitação do PL 2729/2003 dando a ele a força de um projeto do executivo.

Mas, antes de tudo, um resumo dos dois projetos de lei:

O PL 8052/2011, produzido pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria, busca simplificar o processo de crimes de pirataria (basicamente, apreensão de CDs e DVDs), alterando o Código Penal. Ele permitirá que, quando houver apreensão, os bens não precisem ser periciados um a um, mas por amostragem, reduzindo o trabalho de perícia. Além disso, autoriza que, em alguns casos, o juiz possa determinar a destruição dos bens (reduzindo os custos de armazenamento) e a sua incorporação à Fazenda que poderá repassar os bens apreendidos a instituições de ensino, pesquisa ou assistência social.

Já o PL 2729/2003, de autoria do deputado Leonardo Picciani, relator da CPI da Pirataria, busca ampliar as penas dos crimes de pirataria. Ele aumenta a penalidade da violação de direito autoral, hoje, de 3 meses a um ano de detenção ou multa para “reclusão de 2 anos e 2 meses a 4 anos e multa”. A esse crime, adiciona o de promover a pirataria (por exemplo, permitindo publicidade de produtos piratas). O projeto também aumenta a pena da violação dos outros tipos de propriedade intelectual: patentes, marcas, desenho industrial e indicação geográfica, ampliando as penas de detenção de 1 a 3 meses ou multa para os mesmos “2 anos e 2 meses a 4 anos e multa”, mas restringindo-as aos casos onde há “intuito de lucro” (com exceção da violação de indicação geográfica). O projeto aumenta também a pena da pirataria de programas de computador, aumentando a pena de detenção de 6 meses a 2 anos ou multa para os mesmos “2 anos e 2 meses e multa”, dando a mesma pena a quem promove a pirataria de software. O projeto modifica também o código de processo penal autorizando a apreensão de bens, equipamentos e materiais e autorizando que os detentores do direito autoral sejam os depositários do material apreendido. Da mesma maneira que o projeto anterior, este também autoriza que o juiz possa determinar a destruição dos bens e o seu encaminhamento para entidades de auxílio ou programa de assistência social. Finalmente, autoriza que as entidades dos detentores de direito autoral possam funcionar como assistentes da acusação.

Como se vê, o primeiro projeto é na maior parte redundante em relação ao segundo que tramita desde 2003, o que sugere que ele só foi apresentado para priorizar a aprovação do segundo, dando a ele a chancela e apoio do poder executivo. Por isso, gostaria apenas de discutir o segundo projeto que parece ser o verdadeiro objeto desta movimentação política.

Em resumo, o que faz o PL 2729/2003? Ele aumenta as penas dos crimes de violação de todo tipo de propriedade intelectual para 2 anos e 2 meses e multa, o que faz com que esses crimes não sejam mais suscetíveis de transação penal (processo pelo qual o Juizado Especial Criminal pode promover conciliação com redução de pena para crimes de menor potencial ofensivo – penas de até 2 anos). Assim, todos aqueles que forem presos por crimes de violação de propriedade intelectual – na maioria, camelôs que vendem CDs, DVDs, brinquedos e roupas – terão sua mercadoria apreendida e destruída e não poderão ter sua pena trocada por serviços à comunidade, tendo que cumprir a pena de reclusão de 2 anos e 2 meses a 4 anos na penitenciária, além de pagar multa de 10 a 50 mil reais. Além disso, a colaboração já em curso das empresas detentoras de direito autoral com as forças de repressão passa a ser regular, permitindo que a indústria fonográfica e do audiovisual e suas associações recebam e guardem os bens apreendidos e possam agir como assistentes da acusação.


Aumentar as penas da pirataria é injusto

A pirataria é a violação de direitos autorais. É o que faz o camelô que fabrica e vende DVDs sem o pagamento dos direitos autorais. Mas se não há pagamento de um direito estabelecido por lei, o que há de errado em criminalizar essa prática? Para entender as graves implicações sociais da criminalização da pirataria é preciso entender como funciona o mercado de bens culturais. Quando falamos de pirataria (violação de direitos autorais), basicamente falamos de quatro coisas: discos, filmes, livros e software. Todos esses produtos são produzidos pelo que chamamos de indústrias culturais, termo usado pelos franceses para designar o setor econômico que produz bens culturais que podem ser reproduzidos em série. Essa característica de reprodução em série significa o seguinte: uma vez produzida a matriz, posso fazer um novo exemplar a um custo muito reduzido – e a produção de um novo exemplar não subtrai nada da matriz. É essa característica particular das indústrias culturais que gera todo o problema social da pirataria, tanto na produção, como no consumo.

Do ponto de vista da indústria, a organização econômica da produção de bens culturais tem a seguinte estrutura: há os custos de produção da matriz, que são fixos (independente do número de exemplares produzidos) e há os custos de produção, promoção e distribuição dos exemplares, que variam de acordo com a tiragem (quanto mais exemplares são produzidos, mais barato fica o custo por exemplar). A operação econômica da indústria consiste em adicionar aos custos fixos de produção da matriz os custos de produção, promoção e distribuição que dependem da tiragem que, por sua vez, é uma estimativa de quanto se acredita que a obra vai vender. Mas essa variável é incerta. Um disco pensado como pequeno lançamento independente pode vender milhões e um grande lançamento de um grande artista pode se mostrar um fiasco. Quando há surpresas positivas, há grandes lucros e quando há surpresas negativas, prejuízo.

A pirataria se relaciona com essa lógica econômica, mas de maneira muito complexa. Podemos pensar que a venda de um disco ou DVD pirata simplesmente “roube mercado” do produto original, atrapalhando o planejamento econômico da indústria e causando prejuízos. Mas como há substancial diferença de preços entre o produto pirata e o produto original, a relação é difícil de estimar. No mercado da cidade de São Paulo, por exemplo, um DVD original (lançamento) tem preço na faixa de 30 a 50 reais, enquanto o preço do DVD pirata, no camelô, está na faixa de 3 a 5 reais. Essa diferença de preços faz com a dinâmica de consumo do produto pirata e do original seja muito diferente. Um produto pirata que é comprado não significa que um produto original deixou de ser comprado. Por ser bem mais barato, o produto pirata é adquirido em maior quantidade – fenômeno conhecido como elasticidade dos preços. Um consumidor que antes da pirataria comprava um DVD por mês, com a pirataria pode comprar 10 ou 15 DVDs. Isso significa que há substituição de consumo, mas numa taxa que não é de um para um. Se houvessem dados confiáveis sobre quais e quantos produtos piratas estão no mercado e quais são os seus preços, poderíamos estimar uma taxa de substituição – por exemplo, para cada 15 DVDs piratas adquiridos, poderíamos estimar que 1 DVD original deixa de ser vendido. Essa relação pode ser ainda mais alta pelo fato do mercado de bens culturais originais estar restrito a uma parcela muito pequena da população, como vemos nos dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE). Por esse motivo, o consumo de produtos piratas pelos mais pobres pode praticamente não ter efeito sobre as vendas legais da indústria.

Assim, não é possível estimar a taxa de substituição de vendas de produtos originais pelos piratas. Além disso, sabemos com alguma certeza que o consumo de produtos piratas traz efeitos positivos para indústria. É um fenômeno bem estabelecido na literatura acadêmica que o consumo de produto pirata muitas vezes leva ao consumo de produtos originais (o que os economistas chamam de externalidade positiva). Um jovem baixa uma música numa rede P2P, gosta da banda e adquire em seguida o CD original. Um estudante copia um livro no xerox e anos depois, quando tem mais renda, adquire a obra inteira na livraria. A pirataria, nestes casos, funciona como promotora de vendas de produtos originais. De novo, como não há dados sobre a pirataria, não conseguimos estimar com precisão em que medida a pirataria fomenta as vendas de produtos originais. Na verdade, se tivéssemos uma taxa de substituição alta e uma também alta capacidade de promoção de produtos originais pelos piratas, a pirataria poderia, somadas as coisas, aumentar as vendas da indústria – resultado que é sugerido por parte da literatura científica.

O leitor pode então se perguntar por que a indústria trabalha com tanto empenho para acabar com a pirataria. E a resposta é que a indústria estabelecida não quer perder a sua posição de mercado. Não conheci ainda nenhum representante da indústria (principalmente na área de música e filme) que acredite que a pirataria pode ser derrotada. As novas tecnologias que permitem a distribuição e a reprodução digital de bens culturais são uma infra-estrutura produtiva que está socialmente disseminada de maneira sólida. Esta circunstância está empurrando todas as indústrias culturais a novos modelos de negócio que dependem menos dos direitos autorais. Todos sabem que este será o futuro. Mas este futuro pode chegar mais cedo ou mais tarde, o que garantiria que os atuais atores dominantes permanecessem nesta posição dominante. É este o interesse por trás das políticas de combate à pirataria: não o de por fim a uma ilegalidade que todos sabem que é incontornável, mas o de defender posições de mercado numa transição lenta para novos modelos de negócio.

Mas os interesses da indústria são apenas a dimensão econômica do problema, muito menos relevante do que a dimensão social. A pirataria, ao contrário do que diz a propoganda fomentada pela indústria, não parece ser um grande empreendimento comercial ligado ao crime organizado. As pouquíssimas evidências que ligam a pirataria (de direito autoral) ao crime organizado são esporádicas e frágeis e são exploradas ao máximo pela indústria para mobilizar a sociedade contra os camelôs. A APCM (Associação Antipirataria Cinema e Música), principal órgão da indústria de combate à pirataria, relata periodicamente o fechamento de “laboratórios piratas” pela polícia. Todos os laboratórios reportados são pequenos e caseiros, com até 8 torres para a gravação de CDs e DVDS. Os custos de montagem de um “laboratório” desse tipo é de poucos milhares de reais, um capital menor do que o necessário para abrir um bar na periferia. Tudo indica que a economia da pirataria é predominantemente operada por pequenos comerciantes informais. São pessoas pobres que vendem CDs e DVDs porque não conseguem se encaixar no mercado formal. Não me parece razoável que um interesse econômico incerto (pois não sabemos o impacto da pirataria sobre a indústria) deva prevalecer sobre o interesse social de não prender esses trabalhadores.

Além disso, há também considerável interesse social no consumo dos bens piratas. A oferta de produtos culturais piratas ampliou muito o repertório cultural dos consumidores. Em meados dos anos 1990, eram muito poucos os consumidores que podiam comprar uma caixa reunindo a obra completa de algum intérprete ou compositor. Esse tipo de produto que é hoje vendido nas lojas por centenas de reais tem um similar vendido nas ruas (em formato MP3) por cerca de 5 reais. Isso ampliou em muitas vezes o acesso aos bens culturais, sobretudo entre os mais pobres. Na verdade, como os mais pobres estavam praticamente excluídos do consumo cultural, a pirataria para eles é um fenômeno exclusivamente positivo, tanto do ponto de vista econômico, como do social. Do ponto de vista econômico, ele gera atividade econômica sem causar perdas significativas para a indústria, já que os mais pobres nunca foram consumidores importantes no mercado de bens culturais. Do ponto de vista social, a pirataria significa a abertura de uma inédita possibilidade de acesso aos bens culturais que deveria ser celebrada por todos.

O conjunto destas considerações me leva a considerar completamente inoportuno e contrário ao interesse público o PL 2729/2003 que aumenta as penas para os crimes de pirataria. Esse PL protege os interesses das grandes gravadoras e dos grandes produtores cinematográficos em manter suas posições de mercado, na mesma medida em que prejudica os trabalhadores informais que serão mandados para nossas medievais penitenciárias e os consumidores pobres que terão muito mais dificuldade de exercer seu direito constitucional de participar da vida cultural.


*Porf. Dr. da Escola de Artes, Ciências e Humanidades - Universidade de São Paulo

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Abaixo-assinado contra a remoção da Favela do Metrô

Moradores da comunidade em assembléia

Da Comissão de Comunicação da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência:

Como é de conhecimento geral, as favelas do Rio de Janeiro têm sofrido com a retomada maciça das remoções, transformada novamente em uma política de Estado, assim como era nos governos estaduais do período ditatorial, como foi o caso de Carlos Lacerda e Negrão de Lima. Neste período foram removidas aproximadamente 160 mil pessoas.

Atualmente, o governo municipal, justificando de variadas maneiras ("área de risco", meio ambiente, obras de "interesse público"), tem levado a cabo, através especialmente da Secretaria de Habitação e das subprefeituras, uma ampla política de remoções de comunidades. À lista divulgada no início do ano passado com 119 favelas a serem eliminadas juntaram-se aquelas que sofreram com as chuvas de abril e outras, como as que querem retirar por conta das obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, totalizando, hoje, algo próximo de 150 comunidades.

Apesar de toda esta investida, as comunidades vêm se unindo e realizando uma série de ações desde 2010, como as duas grandes manifestações na sede da prefeitura e outras tantas resistências locais. Isto, inclusive, enfrentando a violência dos agentes das subprefeituras responsáveis pelas "negociações" (coações, na verdade) e demolição.

Entre as comunidades ameaçadas, encontra-se a Metrô-Mangueira*, que está localizada próxima ao estádio do Maracanã e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A prefeitura pretende utilizar a área para a Copa do Mundo que, segundo informações, seria para a construção de um estacionamento. Como sempre, os moradores ficaram sabendo "de ouvir falar", pois o poder público nunca os contatou. Após serem "avisados", as pressões começariam. A "alternativa" dada pela prefeitura foi uma casa no bairro de Cosmos, aliás, local para o qual a prefeitura quer levar mais de 100 comunidades!!! Diante do desrespeito ao direito à moradia**, os moradores estão resistindo e lutando para que nem suas casas, muito menos suas vidas sejam completamente destruídas por interesses que lhes são estranhos.

Para tanto, uma das ações é a circulação de um abaixo-assinado online, que pode ser acessado a partir do link abaixo:


http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N5183
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*A Favela do Metrô é uma comunidade formada por quase mil famílias, algumas das quais vivem no local há mais de 40 anos.

**O Direito à Moradia está previsto no art. 6º da Constituição Federal, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e em diversos tratados internacionais e textos da ONU. Atualmente, entende-se que o Direito à Moradia Adequada não se limita à própria casa,  incluindo - além da garantia fundamental de um lugar para morar sem ameaça de remoção - o acesso a serviços básicos (educação, saúde, lazer, transporte...) e a participação em todas as fases dos processos de decisão relacionados à moradia. 

Assim, o direito fundamental à moradia envolve também as relações com o território, de onde surgem redes de solidariedade sociaal, contatos com os vizinhos, acompanhamento escolar, contato com profiossionais de saúde, fontes de renda e trabalho.

O principio da não remoção, está previsto em diversos dispositivos legais - inclusive na Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro (Art. 479, VI), na Constituição Estadual e em diversos tratados e convenções internacionais - dispõe que a remoção é medida extrema e somente pode ocorrer (legalmente) em circunstâncias excepcionais, quando presentes riscos concretos à vida dos moradores. Neste caso, o reassentamento deverá ser feito em local próximo. Além disso, é direito da população, discutir o projeto proposto pela prefeitura, além de elaborar projetos alternativos e, nos casos em que a remoção é inevitável, participar da discussão dos projetos de reassentamento.