terça-feira, 28 de setembro de 2010

Legalizar o Aborto

Em 28 de setembro, mulheres de toda a América Latina saem às ruas para lutar por um direito que já é garantido há tempos às européias, estadunidenses e canadenses: o direito de interromper uma gravidez indesejada. É o Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe.
Por Túlio Vianna

intervenção em um muro de La Paz, Bolívia

O aborto não é crime na maioria esmagadora dos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, se uma mulher desejar interromper uma gravidez por questões socioeconômicas, poderá fazê-lo sem maiores riscos para sua saúde em um hospital, de forma plenamente legal.

No Brasil, o aborto é tratado como crime e tanto a mulher que o praticar, como quem de qualquer forma auxiliá-la, poderão ser presos. Os rigores da legislação brasileira, porém, não impedem que os abortos sejam realizados clandestinamente. A Pesquisa Nacional do Aborto, publicada pela Universidade de Brasília (UNB) este ano, estimou que 1 em cada 5 mulheres brasileiras já realizaram aborto, sendo que metade delas foram internadas devido a complicações causadas pelo procedimento.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) constatou que, entre 1995 e 2007, a curetagem pós-aborto foi a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde (não foram levadas em conta cirurgias cardíacas, partos e pequenas intervenções que não exigem a internação do paciente). Foram 3,1 milhões de curetagens e estima-se que a maioria delas sejam decorrentes de abortos provocados.

Por que então não garantir às brasileiras o mesmo direito ao aborto já garantido às norte-americanas e europeias e evitar tantos riscos desnecessários à sua saúde?

Direito à vida

O argumento central de quem é contrário à legalização do aborto é que a vida humana surge no momento da concepção e que, a partir de então, este seria um direito a se garantir ao embrião. Claro que esta é uma concepção de cunho exclusivamente religioso.

Cientificamente, não é possível se determinar ao certo quando começa a vida humana. Nas 12 primeiras semanas de gestação (período em que o aborto é permitido, na maioria dos países onde é legalizado), o feto ainda não desenvolveu seu sistema nervoso e para considerá-lo vivo neste estágio, seria preciso rever o próprio conceito jurídico de morte. Isso porque a lei 9.434/97 permite o transplante de órgãos desde que haja morte cerebral, ainda que, eventualmente, o coração continue a bater. E, se é a morte cerebral que indica o fim da vida, é razoável entender que o início da vida humana surge com a “vida cerebral”, o que seria impossível nas primeiras 12 semanas, antes da formação do sistema nervoso do feto.

No entanto, o conceito de vida defendido pelos opositores da legalização do aborto parece ser bem mais amplo do que qualquer um que possa ser estabelecido por critérios científicos. A ponto de abarcar, inclusive, fetos sem cérebros, como se vê por algumas das teses defendidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, que tramita no Supremo Tribunal Federal desde 2004 e trata da interrupção de gravidez nos casos de anencefalia do feto. Já passados 6 anos, ainda não houve tempo suficiente para que o STF concluísse o óbvio ululante: sem cérebro, não há vida humana a ser protegida, então não há crime de aborto.

Infelizmente, o debate sobre o aborto no Brasil não se faz com base em constatações científicas ou jurídicas. O aborto é discutido no Brasil com base em dogmas religiosos, como os do arcebispo de Olinda e Recife Dom José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos e os parentes de uma menina de 9 anos de idade que foi estuprada por seu padrasto e precisou realizar um aborto para se livrar de uma gravidez de gêmeos que lhe causava risco de morte. Detalhe: o padrasto que estuprou a menina não foi excomungado por Sua Excelência Reverendíssima, que considerou este crime menos grave que o aborto.

É preciso entender, porém, que o Brasil é uma república laica e, portanto, não se pode admitir que qualquer religião imponha seus dogmas aos demais, muito menos por meio de criminalizações.

Questão social

A legalização do aborto é uma questão de saúde pública que atinge quase que exclusivamente as mulheres pobres, que não têm condições financeiras de arcar com o alto custo de um aborto em alguma das maternidades de luxo que realizam a cirurgia ilegalmente. Para uma mulher rica que tenha uma gravidez indesejável, a solução – ainda que ilícita – é recorrer a uma boa maternidade onde conversando com a pessoa certa e pagando o preço necessário poderá abortar com toda a infraestrutura e higiene de um bom hospital.

Ainda que não optem pelo procedimento cirúrgico, as mulheres de melhor condição socioeconômica têm um acesso muito mais amplo a informações sobre como realizar o auto-aborto de forma relativamente segura. Há vários sites internacionais dedicados a esclarecer às mulheres dos países onde o aborto ainda é proibido como utilizar medicamentos para este fim. No International Consortium for Medical Abortion , por exemplo, há informações de como usar o remédio Cytotec (Misoprostol) em conjunto com o Mifiprex (Mifepristone), de forma a tornar o procedimento um pouco mais seguro e menos doloroso.

Para a maioria das mulheres brasileiras, porém, este tipo de informação ainda não é acessível e elas acabam adquirindo o Cytotec no mercado paralelo e “aprendendo” como usá-lo com o próprio vendedor que, em geral, não possui qualquer conhecimento médico. Sem informação, utilizam o Cytotec sem qualquer outro medicamento, obrigando a uma dosagem maior, diminuindo as chances de sucesso e tornando todo o procedimento mais arriscado e doloroso. Por se tratar de um comércio ilegal, sem qualquer tipo de controle por parte da Anvisa, há ainda o sério risco de adquirir um produto falsificado.

Outra significativa parcela de mulheres pobres opta por realizar o aborto por procedimentos de curetagem ou sucção em clínicas clandestinas, sem as mínimas condições de higiene e infraestrutura. São procedimentos bastante arriscados para a vida e saúde delas e muitas acabam sendo socorridas nos hospitais do SUS, após abortos mal sucedidos. As complicações não raras vezes levam à morte, sendo o aborto a terceira causa de morte materna no Brasil, segundo pesquisa do IPAS.

Legalização

A criminalização do aborto não evita o aborto, mas tão-somente obriga a mulher a realizá-lo na clandestinidade. As ricas pagando um alto preço pelo sigilo e segurança do procedimento e as pobres relegadas à própria sorte, em um oceano de desinformação e preconceito.

O debate sobre a descriminalização do aborto não é sobre o direito ou não de a gestante abortar, mas sobre o direito ou não de a gestante ter auxílio médico para abortar. A Constituição brasileira garante em seu artigo 226, §7º, que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

O que se vê, porém, no Brasil é uma completa interferência do Estado no direito da mulher de decidir ter ou não um filho, amparado em uma interpretação religiosa do direito constitucional à vida. O axioma católico de que a vida inicia na concepção é apresentado como fundamento “jurídico” contra a legalização do aborto, no Estado laico brasileiro. É este dogma religioso o grande responsável pelo cerceamento do direito constitucional ao livre planejamento familiar.

A criminalização do aborto no Brasil coloca nossas leis ao lado da tradição legislativa de países do Oriente Médio e da África, ainda marcada por uma intensa influência religiosa, e nos distancia dos Estados laicos da Europa e da América do Norte.

Direitos fundamentais, como é o direito à liberdade de planejamento familiar, não podem ser cerceados com base na fé em dogmas religiosos. O Estado é laico e ainda que a maioria da população brasileira acredite que o aborto é um grave pecado que deve ser punido com a excomunhão, estas concepções religiosas não podem ser impostas por meio de leis que criminalizam condutas, pois a separação entre Estado e religião é uma garantia constitucional.

Os abortos acontecem e acontecerão, com ou sem a criminalização, pois nenhuma lei conseguirá constranger uma mulher a ter um filho contra sua vontade. Não é um fato que agrade à mulher que se submete a ele, ao Estado, ou a quem quer que seja. Mas acontece.

Cabe ao Estado legalizar a prática e evitar os males maiores que são consequências dos abortos realizados sem assistência médica: os danos à saúde ou mesmo a morte da mulher. Talvez esta mudança na lei não faça muita diferença para os homens ou para as mulheres ricas que não sentem na pele as consequências de sua criminalização; mas para as mulheres pobres esta seria a única lei que, de fato, poderia ser chamada de pró-vida.

Túlio Vianna é professor da Faculdade de Direito da UFMG.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FRENTE NACIONAL DE RESISTÊNCIA URBANA BLOQUEIA PRINCIPAIS RODOVIAS DO BRASIL

Por Gabriela Moncau


Nesta quinta-feira, 23 de setembro, aproximadamente 300 pessoas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam, por cerca de 5 horas, o Ministério das Cidades, em Brasília. A ação marcou o último dia das manifestações que aconteceram por vários estados do Brasil durante a semana, dando início à Jornada da Campanha Nacional Contra Despejos – Minha Casa, Minha Luta, emplacada pela Frente Nacional de Resistência Urbana (FNRU), composta por diversos movimentos sociais que lutam por moradia.

A Jornada foi inaugurada essa semana nas regiões Norte e Nordeste, nos dias 20 e 21 de setembro, com o bloqueio das grandes avenidas Brasil e Distrito Industrial no Amazonas, além de ações em Pernambuco e Bahia. No Pará o travamento do principal Porto da cidade resultou em confronto com a polícia e a detenção de uma militante do Movimento de Luta Popular (MLP). Em São Paulo, na manhã da quarta-feira, 22, cinco das principais rodovias foram bloqueadas: cerca de 400 pessoas fecharam as rodovias Santos Dumont e a Anhanguera.

Na grande São Paulo foram bloqueadas a Raposo Tavares, Régis Bittencourt e o Rodoanel Oeste, todas contaram com a chegada da polícia militar, bombeiros e Força Tática, porém sem conflitos. Em Minas Gerais o Anel Viário – principal via de acesso a Belo Horizonte – foi bloqueado por cerca de 400 pessoas durante 3 horas, contando com adesão das comunidades próximas, que aproveitaram para publicizar a sua reivindicação por passarelas. No Paraná o MTST travou a Avenida Rui Barbosa.

Em nota divulgada após os trancamentos de quarta-feira no sítio do MTST, afirmam: “Paralisamos porque só assim nós - os que temos sido calados há séculos, nós os que tudo construímos e nada temos - podemos abrir a possibilidade de ser ouvidos, apenas com ações como esta saímos da invisibilidade em que nos aprisionaram e onde temos sido derrotados para mostrar ao país, a outros trabalhadores e trabalhadoras como nós somos e o que temos vivido”.

O conjunto das manifestações foi vitorioso: em Brasília o movimento conseguiu uma reunião com membros da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, dando passos significativos contra despejos em curso em Amazonas, Minas Gerais e São Paulo e abrindo negociação para regularizar terrenos nos estados do Pará, Paraná e Amazonas. “Além disso, conquistamos para as famílias do movimento a construção de novas moradias no Distrito Federal e em São Paulo”, relata Guilherme Boulos, representante do MTST.

Como o próprio nome já diz, a campanha nacional faz uma contraposição ao programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida anunciado no início de 2009, que para o entendimento da Frente Nacional de Resistência Urbana (FNRU), cumpre o papel de alimentar a indústria da construção civil. Os projetos são geridos pelas empreiteiras, que decidem quais os que vão adiante. É o caso dos projetos para famílias com renda maior, particularmente na faixa de 3 a 10 salários mínimos. O problema é que 85% do déficit habitacional brasileiro corresponde a famílias na faixa de renda de 0 a 3 salários”, explica Boulos.

No manifesto da Campanha Nacional Contra Despejos – Minha Casa, Minha Luta, os movimentos exemplificam como as empreiteiras tem sido beneficiadas pelos programas de moradia do Estado. O fato do setor da construção ter puxado a alta da Bolsa de Valores de São Paulo no início de 2009, uma valorização acionária de 87%; “além disso, foi o setor que isoladamente mais recebeu do governo nas chamadas ‘medidas anti-crise’, com R$33 bilhões só através do Minha Casa, Minha Vida, para não citar o PAC; por fim, como pagamento dos bondosos investimentos estatais, o capital imobiliário se destaca como o maior financiador de campanhas eleitorais do Brasil – tendo ‘bancadas’ em todas as instancias parlamentares e inúmeros representantes nos governos”, denuncia o documento.

Esses fatores, porém, não foram os únicos que impulsionaram a urgência das manifestações e a exigência de negociações com o Ministério das Cidades. A lembrança do Pan-Americano de 2007 no Rio de Janeiro, com inúmeros despejos, chacinas como a do Complexo do Alemão e construção de muros ao redor das favelas, não trazem previsões muito promissoras a respeito da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas de 2016. Na visão da FNRU, o “sonho de muitos brasileiros promete tornar-se um terrível pesadelo”, e o tempo urge: para as obras da Copa ficarem prontas a tempo, as licitações tem que ser feitas agora.

“O número de famílias despejadas no país – e não será só nas cidades-sede – deve chegar à casa das centenas de milhares. Em muitos casos, despejos sem indenização e sem alternativa de moradia. Ou com os ridículos ‘cheques-despejo’, com um valor que não permite sequer a compra de um barraco numa encosta de morro”, afirma o manifesto.

De fato, as políticas de “higienização social” já estão sendo colocadas em prática: além dos inúmeros despejos, a repressão aos trabalhadores informais tem se intensificado e a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro não por acaso se deu nas regiões em que as comunidades estão próximas das áreas ricas da cidade carioca, principalmente na zona sul. Em entrevista para o Brasil de Fato, Taiguara Souza do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH) aponta que “a UPP busca legitimar a continuidade da política de extermínio, apaziguando o clamor popular através de uma suposta ‘pacificação’. Apresenta-se como um novo modelo, mas, na verdade, é um adendo ao modelo anterior. As UPPs são direcionadas a lugares estratégicos, tendo em vista as Olimpíadas e a Copa do Mundo”.

“Quem está sorrindo com isso é o grande capital imobiliário, que deverá se empanturrar com obras faraônicas, financiadas com dinheiro público, e verá seus grandes terrenos valorizarem-se absurdamente”, diagnostica o manifesto, que ilustra: “Só para construção de estádios, o BNDES já anunciou um crédito de R$5 bilhões à disposição dos interessados. E outros bilhões virão para os empreiteiros”.

Diante desse cenário, a plataforma da FNRU se posiciona contra os despejos e remoções e a especulação imobiliária, reivindicando desapropriações de imóveis vazios, construção de moradias populares baseada no subsídio integral, na qualidade habitacional e na gestão direta dos empreendimentos.

Durante o trancamento das 8 pistas do Rodoanel em São Paulo, ao grito de ordem “Revolucionários do Brasil, fogo no pavio, fogo no pavio!”, uma militante do MTST assegura: “o cerco parece estar fechando, mas não me preocupo não... Enquanto a gente não conseguir moradia digna para todos, não vamos parar. Da luta do povo a gente nunca se cansa”.

* Texto extraído da Revista Caros Amigos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

POLÍCIA CIVIL FECHA XEROX NA UFRJ


Polícia Civil fecha "xerox" na Praia Vermelha da ESS/UFRJ
Por ADUFRJ

Uma operação da Polícia Civil no campus da Praia Vermelha, na noite do último dia 13, causou espanto na comunidade acadêmica. Movidos por uma
denúncia anônima de violação a direitos autorais, os policiais foram a uma
loja copiadora da Escola de Serviço Social, apreenderam todo o acervo
(inclusive as pastas com o material pedagógico deixado pelos professores
daquela Unidade) e detiveram o proprietário da copiadora, que foi encaminhado para a Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), na Lapa. O rapaz, identificado apenas como Henrique, foi indiciado e responderá ao processo em liberdade.

Diretora da ESS reage com indignação
"Inadmissível!". Foi com essa palavra que a diretora da ESS, professora Mavi Pacheco, classificou a operação policial. Para ela, em um país extremamente desigual como o Brasil, onde a produção e o acesso ao conhecimento estão na mão de poucos, a popular "xerox" é um pedaço da realidade em todas as universidades. Mavi acredita que a situação se torna ainda mais grave quando se considera a renda média dos estudantes do curso de Serviço Social: "É inadmissível que tenhamos sido objeto de uma ação da Polícia Civil, dentro de uma universidade pública, e, sobretudo, motivada por isso", criticou. A dirigente acredita que o que está por trás de uma operação desse tipo é o interesse das grandes editoras em resguardar os direitos autorais, em contraposição aos estudantes empobrecidos que querem ter acesso ao conhecimento.

A diretora conta que não estava na Unidade quando os policiais chegaram, mas retornou assim que possível e atuou no sentido de serenar os ânimos dos presentes. A delegada responsável pela operação falava abertamente sobre a intenção de prender o rapaz da xerox: "Os estudantes estavam muito revoltados, porque o Henrique foi homenageado em uma cerimônia de colação de grau, no sábado", contou.

Segundo um papel exibido pelos policiais, que não pôde ler mais detalhadamente, a diretora viu o registro, datado de 26 de maio deste ano, por volta de uma da manhã, através do Disque-denúncia, afirmando que havia uma copiadora na Escola de Serviço Social onde um funcionário desrespeitava direitos autorais.

Mavi explicou que o local ficou fechado durante todo o dia seguinte e que, agora, os professores do curso devem pensar em resoluções imediatas e de médio prazo para o problema: "Ficavam lá as pastas de todos os docentes, programas das disciplinas, tudo, tudo! Agora, temos que pensar um caminho que não nos exponha a essa brutalidade e garantindo o acesso à leitura. Isso é um direito que temos de assegurar; a universidade, o Estado brasileiro", observou.

Diretoria acredita em quebra da autonomia universitária
"Estamos aterrorizados com esta situação. Entrada da polícia civil na universidade pública fere sua autonomia. Nós não podemos deixar isso ocorrer como fato natural, independentemente de discutir a questão da lei. Não podemos achar que isso é um problema meramente legal, é problema político. A universidade tem que defender sua autonomia e o direito ao acesso ao conhecimento. Não pode tornar natural um fenômeno como esse", analisou.


A DIREÇÃO DA ESS DA UFRJ convida todos a participar da divulgação da Moção de Repúdio da ESS da UFRJ nos eventos dos próximos dias:

dia 23/09 às 9:30 - SEÇÃO DO CONSUNI

dia 23/09 de manhã e a noite - AULA-ATO EM DEFESA DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA E O DIREITO A EDUCAÇÃO (evento em construção com o CA e a ADUFRJ, cujo local e horário serão divulgados posteriormente)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A FAVELA DO METRÔ LUTA CONTRA A REMOÇÃO

Por Alexandre Magalhâes, da Rede Contra Violência

Noite de 31 de agosto. Uma noite de terça-feira. Diversos moradores da comunidade do Metrô se preparam para uma assembléia. Caso não fosse pelos motivos adversos que fizeram estas pessoas se encontrarem, seria uma reunião como qualquer outra. Mas desta vez havia algo diferente no ar. Não era apenas pela quantidade de pessoas presentes, que ultrapassaria facilmente 500 participantes, nem pelo número de pessoas e representantes de outras comunidades e movimentos sociais vindas de fora. O motivo de toda aquela organização e de toda aquela mobilização era a ameaça de remoção da Favela do Metrô, que se localiza próximo à Uerj, o estádio do Maracanã e a comunidade da Mangueira. Há algum tempo, na cidade do Rio de Janeiro, vem se formatando, novamente, uma política de remoção de favelas, prática que se achava enterrada junto com Carlos Lacerda.

Especialmente no atual governo municipal, a palavra remoção está sendo mobilizada, buscando-se relegitimá-la e reincorporá-la às práticas institucionais. O que se achava terminado, retorna como um fantasma. Um fantasma que aterroriza e amedronta milhares de pessoas. Diversos exemplos desta política se sucedem atualmente no Rio de Janeiro e não param de surgir, por diversos motivos, seja pela alegação de área de risco, seja pelas grandes obras previstas para os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, supostamente respeitando o "interesse público". A Favela do Metrô é mais um desses casos, apesar de não recente. Como as obras para a Copa do Mundo se encontram atrasadas, e muitas críticas internacionais foram feitas em relação a isto, a prefeitura foi obrigada a responder. Em uma destas respostas, no ínicio deste ano, foi apresentado o projeto de revitalização do Complexo do Maracanã, bem como a urbanização do Morro da Mangueira, com uma mega intervenção que envolveria até teleféricos. Mas, quase em uma nota de rodapé, reafirmou-se (pois desde o ano passado a secretaria de habitação havia comunicado que o faria) a necessidade de remoção da Favela do Metrô.

Passou-se um tempo, e meses depois surgiram diversos funcionários da prefeitura na localidade, que avisariam aos moradores que eles seriam obrigados a sair, justificando que moravam em uma área de risco, já que a comunidade se localiza ao lado da linha do trem. Entretanto, de acordo com os próprios moradores e informações que circularam nos grandes meios de comunicação, há o interesse na área por conta da Copa do Mundo (já que se fica muito perto do estádio do Maracanã). A prefeitura planeja uma grande intervenção urbanística na região, para prepará-la para a Copa do Mundo de 2014.

Uma dessas intervenções será a remoção completa da Favela do Metrô para ali ser construído um estacionamento. Segundo informações, esta ação é uma das exigências do acordo feito com a Fifa (através de um caderno de encargos), que obriga os poderes públicos das cidades-sede a realizarem uma série de obras. Desde o anúncio do despejo, a rotina local foi quebrada e um verdadeiro estado de terrorismo se instalou. A partir disso, diversos moradores recorreram ao Conselho Popular, movimento social que vem organizando as comunidades ameaçadas de remoção no Rio de Janeiro. Decidiu-se, em uma reunião, que seria realizado uma assembléia na comunidade do Metrô para discutir a situação, apresentar experiências similares de outras comunidades e também apontar para a construção de uma luta conjunta contra as remoções postas em prática pelo poder público.

O encontro se realizou numa grande área que existe no interior da comunidade. Diquinho, do Conselho Popular, inicia a assembléia. Em seguida, diversos representantes de outras comunidades, bem como da própria Favela do Metrô, fizeram relatos acerca daquela situação e também do que vem ocorrendo no Rio de Janeiro. Eraldo, presidente da associação de moradores da comunidade Vila das Torres, em Madureira, aponta que há funcionários da prefeitura que têm feito um trabalho diário de convencimento, às vezes se utilizando de recursos humilhantes. Eraldo ressalta que quando descobriu o Núcleo de Terras da Defensoria e o Conselho Popular descobriria que não era necessário sair, pelo contrário, que tinha direitos. Alerta os moradores de que se ninguém assinar os documentos propostos pela prefeitura, esta não pode tirar ninguém.

Severino, da Pastoral de Favelas, afirma que se quer fazer no Rio de Janeiro uma limpeza social. Aponta que foram os moradores que construíram suas moradias e que estas, bem como o local em que estão, constituíram-se em um direito garantido. Sugere aos moradores presentes, assim como Eraldo, que se avise aos representantes da prefeitura, que talvez possam ir à comunidade, que não vão aceitar documento algum, principalmente se este se refirir ao seu despejo e que vai encaminhar as ameaças para a defensoria pública.

Rosivaldo, um morador local, aponta que não quer ir para o local que a prefeitura está indicando (no caso, um conjunto habitacional no bairro de Cosmos, na Zona Oeste). Assim como Severino, argumenta que a atual administração da cidade quer fazer uma limpeza social e levar as pessoas para longe. Afirma que as pessoas estão aterrorizadas. Além disso, aponta que muitos achavam, mesmo considerando a possibilidade de sair, que ganhariam a "casa pela casa", isto é, sem ter qualquer novo custo, mas que posteriormente descobriu-se que as pessoas que fossem para esses apartamentos teriam que pagar mensalidades durante 10 anos. Rosivaldo questiona ainda o fato de o prefeito forçá-los a comprar uma casa, sem possibilidade de escolha. Ressalta que é preciso lutar, pois "o direito é de todos nós" e que a prefeitura não está agindo de com acordo com as leis.

Já Ratinho, outro morador e comerciante local, aponta que mora há muito tempo na comunidade e que desde que foi para lá construiu um pequeno negócio, chegando a empregar neste período em torno de 23 pessoas, com carteira assinada. Relata uma série de arbitrariedades cometidas pelo poder público, principalmente de ameaças de cortes de serviços públicos. Acredita que isso ocorre para pressionar os moradores a sair.

Foi ressaltado que a lei orgânica do Rio de Janeiro informa que não é mais possível haver remoção na cidade e que, quando esta for inevitável, deverá ser feito um reassentamento das famílias próximo ao local atual de moradia delas. Nestor, morador do Morro dos Prazeres, falando sobre esta lei e sobre a luta atual, afirma que "nossos avós não perderam para Sandra Cavalcanti e Negrão de Lima, então não vamos perder para o Paes".

Apontou-se também a necessidade de se fazer ações que interrompam as práticas ilegais da prefeitura. Sugeriu-se, por exemplo, que as marcações das casas feitas pela prefeitura fossem apagadas, para dificultar a sua ação: "morador que quer ficar tem que apagar a marca nazista", afirmou Marcelo, morador da comunidade Ladeira dos Tabajaras, em Botafogo. Marcelo ainda afirmaria que, após essa atitude "os moradores precisam se juntar à luta. A união, a resistência e a luta é a grande arma do povo".

Abordou-se a questão dos "laudos de interdição genéricos", impostos aos moradores. O engenheiro Maurício Campos apontou que são todos iguais, assim como foi feito em outras comunidades. Os representantes da prefeitura não fizeram o auto de interdição indo de casa em casa, mas o distribuíam indiscriminadamente, sempre constrangendo as pessoas a assinarem. Afirma que esta prática pode ser lida de duas formas: "A má noticia é que isso dá direito a prefeitura a desocupar e inclusive demolir o imovel. A boa notícia é que esse auto de interdição da maneira que foi lavrada é ilegal". Diante da segunda afirmativa, ressalta: "Então, se chegar alguém da prefeitura argumentando que está com o laudo de interdição na mão assinado pelo morador e que este tem que sair, não é para permitir. As pessoas têm que se unir e falar o seguinte: 'é ilegal. Isso é ilegal e nós vamos correr atrás para mostrar a ilegalidade`".

O engenheiro ainda ressaltou o fato de que, caso os técnicos da prefeitura pressionem os moradores da comunidade, que estes devem mobilizar-se e convocar a Defensoria Pública e o Conselho Popular, citando como exemplo o que ocorreu em 2007 na comunidade Canal do Anil: "E se começarem a forçar, tem que acionar a defensoria, a gente vem aqui, o Conselho Popular também. Foi dessa maneira que lá no Canal do Anil, em 2007, se impediu a demolição da comunidade. Quando começou a se chegar lá a demolição foi todo mundo mobilizado, foram para frente da casa, chamaram impresa".

Foi discutido com os moradores ainda o seu direito à moradia, que envolveria além de sua própria casa, todo um conjunto de outros serviços públicos: "O direito a moradia adequada abrange não só a casa, mas vocês têm direito a uma moradia, mas também a infraestrutura, com todos os serviços básicos. Vocês tem direito a uma regularização fundiária. O que quer dizer isso. Não estão aqui invadindo, ocupando irregularmente, não estão aqui como um mato que nasceu e que pode ser tirado", afirma a defensora pública Adriana Britto.

A defensora pública falou sobre a ilegalidade da ação da prefeitura, que atuaria sobretudo sobre o desconhecimento das pessoas sobre seus direitos: "A gente veio dizer que toda essa atitude da prefeitura é ilegal. Contraria várias leis, a constituição federal, tratados internacionais, leis estaduais. Então, vocês tem todo um respaldo jurídico que adequa a situação de vocês. Porém, a prefeitura parte do pressuposto de que vocês não sabem de nada disso, então vai ser mais fácil passar por cima de vocês para conseguir alguma coisa, quer seja uma obra para desocupar por um motivo ou outro".

Ela ainda ressaltou a necessidade de inverter a ordem dos argumentos postos em jogo através da pressão da prefeitura: "eles vão inventar todo tipo de argumento. A indição é a seguinte: a primeira coisa é que vocês não têm que se submeter a este projeto passivamente. Não pode começar a negociação a partir do 'para onde eu vou`. Tem que dizer ´porque eu vou sair`. Tem que discutir 'eu não quero sair, estamos aqui há tantos anos, não podemos ser removidos como uma coisa`".

Após a assembleia, funcionários da prefeitura voltaram ao local naquela semana. Contudo, os moradores não permitiram a entrada deles. Por conta disto, o subprefeito da região esteve na comunidade, sem identificação, uniforme e num carro particular, ameaçar os moradores, avisando que enviaria uma equipe do "Choque de Ordem" para retirá-los e começar as demolições das casas marcadas. Os moradores se organizaram e convocaram outras comunidades, o Conselho Popular, a Pastoral de Favelas e a Defensoria Pública para irem no dia definido pela subprefeitura para realizar o despejo. Percebeu-se, como já vem ocorrendo há algum tempo em outras comunidades, que estes anúncios de que equipes da prefeitura irão ao local para realizar demolições de casas, em muitas situações, são meramente ameças para criar um estado de tensão generalizada entre os moradores e assim facilitar o processo de despejo. Mas desta vez a prefeitura encontrou os moradores mobilizados e não apareceu.

* Retirado do site da Rede Contra Violência.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A REFORMA DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS

Por Túlio Vianna

Você já baixou músicas ou filmes pela internet? Já comprou um CD ou DVD pirata? Já xerocou um livro inteiro que estava esgotado nas livrarias e na editora? Já colocou um CD original para tocar em uma festa de aniversário realizada em um salão de festas? Já converteu um CD original de que é proprietário para formato digital, para poder ouvi-lo em seu MP3 player? Já gravou um programa de TV e o disponibilizou na internet?


Se você respondeu sim a qualquer destas perguntas, então saiba que, pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, você é um criminoso e pode, teoricamente, até mesmo ser preso.


“É um absurdo que condutas como esta sejam consideradas crimes!”, você deve estar pensando. E é justamente para rever nossa Lei de Direitos Autorais que estipula estas e outras restrições que o Ministério da Cultura abriu uma consulta pública na internet para ouvir as propostas de todo e qualquer cidadão para a elaboração de uma nova lei mais sintonizada com a realidade sociocultural do Brasil de hoje.


Como não podia deixar de ser, as editoras e gravadoras não gostaram nada da ideia e já se organizam para tentar manter as restrições. O argumento central destas empresas é que os direitos autorais protegem os interesses dos autores, e que a perda de alguns destes direitos os desestimularia de criar novas obras. Mas será que este argumento procede?


No Brasil, somente raríssimos autores de extremo sucesso recebem mais de 10% do valor do preço de capa de seus livros. Para a maioria, os rendimentos por suas obras são bem módicos. Para um livro com preço de capa de R$ 50, que venda 100 exemplares por mês (a maioria dos autores vende bem menos que isso), por exemplo, a remuneração pelo trabalho intelectual do autor será de R$ 500 mensais. Menos que um salário mínimo.


A situação é ainda pior em relação aos músicos: recebem, em sua maioria, cerca de 3% do valor de cada CD comercializado. Uma remuneração bastante inferior ao que ganham com os cachês de seus shows, que são a grande fonte de renda da maioria destes artistas.


Na prática, os direitos autorais seriam melhor denominados se fossem chamados “direitos editoriais”, pois a maior parte do lucro fica com quem produz e distribui a obra e não com o artista. O discurso das editoras e gravadoras, no entanto, procura enfatizar o prejuízo que a cópia não autorizada causa aos autores, evitando mencionar que os lucros com direitos autorais vão para a conta das empresas e não dos autores.

Criminalização da cópia para uso pessoal.
O Brasil possui uma das legislações de combate à pirataria mais rígidas do mundo, criminalizando inclusive a violação de direitos autorais para uso pessoal sem intuito de lucro. As legislações da maioria dos países preveem no máximo sanções meramente civis para a cópia não autorizada para uso pessoal. Os tratados internacionais sobre direitos autorais assinados pelo Brasil também não estabelecem a obrigatoriedade da criminalização destas hipóteses. Mesmo assim, a legislação atual criminalizou este tipo de violação, e – pior – a proposta de nova lei apresentada pelo Ministério da Cultura não prevê a revogação desta criminalização.


As sanções civis consistem basicamente em imposição de multas pelo descumprimento da norma. São usadas para punir violações de média gravidade, como no caso das infrações de trânsito, por exemplo. Ninguém será preso por avançar um sinal vermelho, nem terá sua ficha de antecedentes maculada por isso, porque a multa de trânsito é uma sanção cível. Já a sanção penal é bem mais grave, pois prevê penas de prisão e prestação de serviços à comunidade e “suja” a ficha de quem é punido. Além do mais, a repressão penal é realizada pela polícia, o que implica a inevitável estigmatização daqueles que por ela forem autuados.


A criminalização da cópia não autorizada para uso pessoal é um excesso injustificado. Não existe na maioria dos outros países e não é prevista nos tratados internacionais. A nova lei é o momento propício para revogá-la e abandonar a política de criminalização da pirataria doméstica.


O prazo de proteção
Os tratados internacionais assinados pelo Brasil preveem a tutela mínima dos direitos autorais pelo prazo de 50 anos depois da morte do autor. A legislação atual protege por 70 anos depois da morte do autor. O projeto de lei proposto não reduz este prazo, mas, ainda que o fizesse, o excesso de restrição ainda seria evidente, pois raríssimos são os autores cujas obras possuem algum interesse passados 50 anos de sua morte. Na prática, longe de proteger o autor, esta restrição acaba impedindo a cópia de obras já esgotadas e não republicadas por falta de interesse comercial das editoras.


Para atenuar o problema, sem descumprir os tratados assinados pelo Brasil, uma solução possível seria a criação por emenda constitucional de um tributo sobre a propriedade intelectual ociosa, a incidir sobre obras esgotadas há mais de 5 anos que não tenham sido republicadas. Em cumprimento aos tratados internacionais, os direitos autorais continuariam resguardados, mas para desestimular o autor a manter a obra protegida sem a devida publicação, haveria a cobrança de um tributo com alíquota progressiva com o passar dos anos. Se não houvesse mais o interesse em republicar a obra, o autor poderia optar por pagar o tributo e manter seus direitos patrimoniais para o caso de no futuro resolver voltar a explorá-la economicamente ou, simplesmente, colocá-la em domínio público para não mais arcar com os custos do tributo.


Limitações aos direitos do autor
Todos os ordenamentos jurídicos trazem limitações aos direitos do autor, que nada mais são que os direitos do público de usar a obra sem a necessidade de pagar por ela. Estas limitações são muito severas no Brasil se comparadas às de outros países e o projeto proposto pelo Ministério da Cultura não avança muito no sentido de ampliá-las.


Dentre as inovações bem-vindas no projeto está a possibilidade de cópia em um único exemplar para uso privado e não comercial. Infelizmente, porém, pela proposta atual exige-se que a cópia seja feita pelo próprio copista e se prevê o recolhimento de direitos autorais pelos estabelecimentos que fazem cópias reprográficas. Ora, não parece razoável supor que a pessoa tenha que adquirir uma máquina de xerox para exercer o direito de cópia para uso privado. É necessário que se permita que a cópia para uso pessoal seja feita por um terceiro, pois o eventual lucro do dono da máquina está relacionado à prestação do serviço de cópia e não à exploração do direito autoral. O dono do xerox não cobrará mais pela lauda de um livro copiado do que pelo xerox de um documento.


As exibições musicais e audiovisuais sem intuito de lucro também estão permitidas pela proposta de lei apresentada, desde que, porém, estejam enquadradas numa série de hipóteses bastante restritas como, por exemplo, o uso em estabelecimentos de ensino. Melhor seria que as exibições sem fins lucrativos fossem sempre permitidas, pois não há sentido, por exemplo, em se cobrar pela exibição de um filme numa associação de bairro, já que lá ele cumprirá a mesma função educacional que em um estabelecimento de ensino formal. Da mesma forma, a exibição musical, ainda que em praça pública, quando sem fins lucrativos, atende a inequívoco fim cultural e, portanto, não deveria estar limitada pela cobrança de direitos autorais.

Conclusões
A iniciativa do Ministério da Cultura de abrir uma consulta pública sobre uma lei de tamanha relevância para a população é positiva, mas ainda há muito que se avançar rumo a uma redação final da lei que contemple mais os interesses da população como um todo e dos autores de obras intelectuais do que os de editoras, gravadoras e produtoras de filmes.


A indústria cultural está unida em torno da manutenção de seus interesses econômicos. É preciso que a sociedade civil e os interessados em geral se organizem em torno de propostas que ampliem as possibilidades de usos não onerosos de obras intelectuais protegidas. Não se pode admitir que uma lei concebida para estimular a criatividade seja a grande responsável pela limitação da produção e da divulgação da cultura nacional. Há que se proteger, sim, os direitos dos autores, mas é preciso conciliá-los com o justo interesse da população em geral de copiar obras livremente para uso pessoal, quando o fizer sem fins lucrativos.


* Texto retirado da Revista Eletrônica Fórum

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

BAILE NO TABAJARAS É O PRIMEIRO EM COMUNIDADE COM UPP

O “bagulho” só começou a ficar “frenético” lá para a meia-noite. Por volta das 22h, perguntei ao DJ Risada se era normal estar vazio. “Só mais tarde, rapá”, me respondeu. Aos 27 anos, o principal DJ do Tabajaras estava certo. Foi só dar meia-noite e a “parada” começou a ficar “sinistra”. Tocou de tudo. Do funk mais consciente àqueles cheios de trocadilhos. Caipirinha lá fora, cerveja lá dentro. As “preparadas” iam sem parar até o chão. Eu, no meu primeiro baile funk na vida. Eles, no primeiro baile funk após a pacificação. A noite do último sábado, na Ladeira dos Tabajaras, foi histórica para os fãs do ritmo, e também para o Rio.

A voz de MC Leonardo mostrava isso. Na luta há mais de dez anos pelo reconhecimento do funk como movimento cultural, ele teve que segurar a emoção. Não era para menos. A estrela dos Silvas podia brilhar. O baile mostrou que a letra dos Anos 90 — “Era só mais um Silva que a estrela não brilha” — pode ter uma releitura. Quem foi ao batidão do Tabajaras viu, não só o Estado reconhecer o funk como cultura, mas também o fim do medo da violência. Viu ainda a alegria de frequentadores como a estudante Mariana Werneck, top e shortinho de popozuda, como manda o figurino funkeiro. Mariana comemorava a volta dos bailes e o fato de só ter gasto R$ 10 a noite toda.

O baile terminou às 3h, numa combinação prévia com a PM. De resto, como disse Risada, foi “tranquilaço” e tem tudo para se tornar sucesso. O morro voltou a ser dominado pelo funk, que agora pode rolar sem estar sob a mira das armas.

Para mim, também foi uma noite aguardada. Percorro favelas pacificadas quase todos os dias, converso com moradores e sei o quanto queriam o baile. Em todas as comunidades com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), eles não querem só polícia. Querem polícia, diversão e arte.

* Texto extraído do Blog da APAFUNK

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IMPRESSÕES DE UM FUNKEIRO

por Diogo Flora

Aconteceu o primeiro baile funk em uma comunidade invadida pela polícia pacificadora (UPP). Foi na Ladeira dos Tabajaras, mais precisamente na quadra da Escola de Samba Villa Rica, na noite do último sábado. Após quase 1 ano de aprovada a lei que reconhece o funk como movimento cultural carioca, o ritmo se solta das amarras impostas pela polícia e volta a tona, levando cultura e entretenimento à favela.

Nenhum problema foi registrado. Uma festa sem brigas, sem apologias e sem discriminar ninguém. Um sistema de transporte organizado de mototaxis cuidava de levar ladeira acima os funkeiros do asfalto que não quiseram subir a pé. Circulação de carros e táxis ocorrendo sem problemas na frente do local, onde uma alcatéia de repórteres espreitavam aquela cena que há um ano parecia impossível: baile funk convivendo com a polícia. Jovens de vários lugares, de várias cores, em direção à porta da quadra; camelôs vendendo cervejinha, refrigerante, churrasquinho e por aí já imagina a cena tão comum em lugares de descontração e pujança de cultura viva.

Valeu a pena o diálogo. Apesar da excelente música, o baile não foi o melhor que já fui, mas certamente foi um dos mais importantes, um marco na relação entre a polícia e a comunidade. Um avanço na conquista de direitos. Enfim, essa tal de “paz” agora também tem voz.

* Diogo Flora é estudante de Direito na UERJ e militante do movimento Direito Para Quem?