sexta-feira, 31 de julho de 2009

E por falar em Santa Marta...

Foto tirada ao final da Roda de Funk no Santa Marta (26/07)


Esse texto é dedicado à Apafunk, à Visão da Favela Brasil, a Cia Marginal, ao Lutarmada, à Justiça Global, ao CDDH de Petrópolis, ao DPQ, a Rede Contra Violência, ao Mandato do Marcelo Freixo, ao DDH, ao MST, ao MTD, ao Fazendo Média, a Renajop, ao Latuff, ao Diego Novaes...e a todos aqueles que lutam em defesa dos direitos humanos e contra a criminalização no Rio de Janeiro.

Apesar da clara vontade de todos os presentes na roda de abrir mão de suas falas para ouvir o som do funk, não era possível fazer isso. E não era possível porque a roda de funk é uma legítima manifestação política que hoje só existe como manifestação. Caso não fosse solicitada sua autorização dessa forma – resultado de uma conquista do povo brasileiro inscrita em sua constituição – a roda sequer aconteceria.

Não aconteceria porque seria considerada um baile funk, e hoje, segundo a lei estadual 5.265 de autoria do ex-deputado e ex-chefe de polícia Álvaro Lins, para realizá-lo é necessário pedir autorização com 30 dias de antecedência para a polícia local, ter comprovante de tratamento acústico, ter um banheiro químico para cada 50 pessoas, acompanhamento de câmeras, informar ainda a expectativa de público, o número de ingressos colocados à disposição, nome do responsável pelo evento, área para estacionamento e previsão de horário de início e término do baile...ufa! Enfim, para bons entendedores: só pode ser feito por grandes equipes de som, grandes casas de shows e para um público minimamente capitalizado. Nenhum problema com a “democratização” do público do funk, mas e quem o criou, não tem sequer direito a ouví-lo, cantá-lo e dançá-lo? Infelizmente essa já é a realidade no Rio de Janeiro há mais de um ano.

Durante todo esse semestre, além disso, assistimos às grandes propagandas da "favela modelo" Santa Marta, da sua unidade pacificadora, do novo gênero de seus comandantes. E encerrávamos a rotina de um semestre indo lá, semanalmente, para ouvir as arbitrariedades ocultadas que vinham sendo cometidas pela antiga polícia com suas novas roupagens. Depois de proibir todas as manifestações culturais do dia-a-dia e de tratar a comunidade através da vida sob cerco (ou melhor, vida entre muros), a polícia da "paz" ainda pretendia proibir uma manifestação político-cultural, a liberdade de expressão. Talvez não fosse demais para aqueles que impedem a liberdade de ir e vir, impedir só “mais uma coisinha”, não é mesmo?

E não foi. A queda de braço para realização da roda durou semanas, ganhou visibilidade e no final, segundo a PM, não passou de um pequeno “mal entendido”...

No entanto, a roda de funk do Santa Marta entendeu bem. E veio para dizer, veio para soltar a voz da garganta, arrancar lágrimas teatralizadas da vida real e mostrar que, para paz, é preciso, antes de tudo, voz. Porque se alguma parte não entendeu o que estava ali sendo feito, não era a parte que estava em roda, mas talvez a que estivesse em fila e por isso não conseguia ver os olhos de todos. Mas ninguém saiu desentendido, não foi à toa o silêncio posterior: é a forma como se vem tratando, faz oitos meses, de tentar “calar os gemidos que existem nessa cidade”.

Mas nossa parte sabia muito bem que, depois todo esse tempo, havia ali uma grande conquista, que não passava de um direito – mas para provar que era como todos os outros – deveria ser arrancado, pois nunca foram dados de graça. Uma vitória sobre o silêncio, a arma da opressão. Uma vitória sobre a idéia de que o medo e a cabeça baixa sejam a única alternativa para a pobreza. Paz sem voz é medo. E o medo é a verdadeira voz daqueles que querem tratar toda a vida social como assunto de segurança.

A Apafunk, a Cia Marginal, o Visão da Favela Brasil, o Lutarmada e todos que alí estavam comprovaram que, como ouvi uma vez dizer um MC: nós não podemos ser a geração que vai engolir calada a criminalização da pobreza e da sua cultura.

Não, definitivamente.

E nossas vozes em ritmo de funk, de teatro, de hip-hop e de intervenções vieram juntas para mostrar “qual a paz que queremos conservar para tentar ser feliz”.


*Por Isabel Mansur


Outras Fotos da Roda:

Cia Marginal de Teatro também se apresentou.

DJ Marcelo Negão, comandando as pick-ups

MC Leonardo

Fiell, do Santa Marta, improvisando.



Video da Roda de Funk


terça-feira, 28 de julho de 2009

'Que tem feito a juventude?'

Quando tentaram vender o petróleo brasileiro, lá na década de 50, eles estavam lá. Lutaram e bravamente inscreveram na história o insígnia "O petróleo é nosso".

Quando em 1964 golpearam a democracia no Brasil, eles resistiram. Sonharam com a utopia de um mundo sem desigualdade, livre. Deram a própria vida por seus ideais. Ocuparam as universidades, foram tocados pelo conhecimento. Acreditaram que a rebeldia típica da juventude pode e deve ser o motor da construção do novo. Pegaram em armas.

Quando a sociedade foi às ruas em 1984 exigir eleições diretas, a juventude também o fez. Esteve lá como sempre impulsionando o movimento.

Quando em 1992 o jovem presidente "caçador de marajás" foi cassado, eles materializaram um sentimento nacional. Pintaram a cara, saíram às ruas. Voltaram a sonhar e derrubaram um presidente.

Assim a juventude brasileira existiu, lutou e transformou o país na última metade do século passado. Neste momento que iniciamos um novo século, o que tem feito e por onde tem andado a juventude?

Talvez bombardeada pela ideologia neoliberal durante os anos 1990, que estimulava a competição extremada, o individualismo e o egoísmo. Somando-se a isso a precarização das condições de vida, desemprego em massa, pauperização. Enfim, talvez a juventude tenha se alienado e se tornado rebelde sem causa.

Mas como um bom romântico, que acredita na humanidade, ainda vislumbro possibilidades neste início de século depois de ter dedicado muitos anos à militância política e estudantil. O meu balanço é: faria tudo novamente. Ainda acredito que outro mundo é possível. E também fui ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

Mesmo assistindo a vulgarização da cultura através de um funk depreciativo e violento, surge a iniciativa da APAFUNK no Rio de Janeiro, que resgata a música de raiz que canta sua realidade e que reflete enquanto dança e se diverte.

Mesmo quando a histórica União Nacional dos Estudantes, a UNE, muda suas prioridades e finge que não vê o Sarney, finge que o Lula não abraçou o Collor dois dias antes de ir ao congresso da entidade.

Mesmo que os estudantes em sua grande massa deixaram de se reunir para grandes assembléias e manifestações, mas ainda se reúnem em grandes megachopadas para beber até cair, ainda existem os que lutam e resistem, e exemplos não faltam: a ocupação da USP e suas similares pelo Brasil. A ocupação da UnB que destronou o reitor corrupto.

A juventude no Brasil ainda tem capacidade de se movimentar e imprimir uma dinâmica na sociedade. Ela pode derrubar o símbolo do atraso. Enxotar Sarney do Senado e da vida pública é simbólico. Talvez seja o pontapé inicial de um novo momento da juventude e do movimento estudantil, sem esperar a UNE e tampouco a ANEL, que ainda carece de existir no mundo real.

Ao "Kapital" interessa que os jovens sejam idiotas, hiperssexualizados e bêbados, enquanto seus filhos se preparam para assumir a gerência do Estado. Sejamos nós conscientes!

Da juventude se espera mais uma vez o ímpeto, a disposição e o vigor na necessidade de lutar e voltar para ruas, se for o caso pintar novamente a cara (mas agora de vermelho...).

Que os jovens, saiam das periferias, das universidades, fechem as ruas e exerçam a forma que se fazem ouvidos! Chamem a atenção, queimem pneus! Organizados podem fazer qualquer coisa! Testem sua força exigindo "fora Sarney"!


por Matheus Thomaz, assistente social e ex-militante do movimento estudantil da UERJ.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

ApaFUNK confirma Roda no Dona Marta



- www.fazendomedia.com


Na nota abaixo, MC Leonardo explica a recente movimentação da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk e confirma a Roda de Funk no morro Dona Marta, em Botafogo, às 16h do próximo domingo 26 de julho de 2009:

A todos os profissionais e amigos do Funk

Vou tentar esclarecer nas próximas linhas o que aconteceu nos últimos 15 dias com a APAFUNK em relação aos 2 adiamentos que ocorreram com a RODA DE FUNK no Morro do Santa Marta.

Assim que se deu o final da RODA DE FUNK na Cidade de Deus (14/06), já pensamos na data da próxima atividade no Morro do Santa Marta e decidimos que seria no dia 28/06.

Mandamos o ofício para a prefeitura através do gabinete do vereador Eliomar Coelho, avisando que iríamos ocupar uma praça dentro do morro, e as nossas finalidades, e este mandou o tal oficio pro comando da polícia daquela localidade (2º BPM).

O então comandante daquele Batalhão (Tenente Coronel Gyliard Albuquerque) só se pronunciou na sexta-feira, entrando em contato com o gabinete do vereador Eliomar Coelho, dizendo não permitir tal manifestação e que não queria nos ouvir.

Recebo esse informe via telefone às 3 horas da tarde da mesma sexta-feira (26/06) dentro da Rocinha, recebendo em minha casa um empresário americano chamado Marc Eko (dono da marca EKO) em um encontro que já estava agendado há mais de dois meses.

Esse encontro, além de ter sido extremamente importante para minha, carreira era inadiável, pois o gringo só tinha quatro dias aqui e muitos compromissos pra cumprir.

A primeira coisa que foi feita foi uma reunião com todos que estavam participando da organização dessa roda para tomar uma decisão ainda na sexta a noite.

O Teko foi pela APAFunk à reunião, o Fiell participou pelo telefone e eu também.

Nessa reunião, a decisão foi publicar uma nota da APAFunk explicando que a roda tinha sido proibida e informando o adiamento da mesma para o dia 19 de julho.

Até lá iríamos tentar a negociação e preparar os instrumentos necessários para garantir a roda.

Eu tinha a esperança que ele me recebendo eu iria convencê-lo a mudar de idéia, pois assim que o comandante do 18ª BPM (Tenente Coronel Luigi) me recebeu em seu gabinete para tratarmos do mesmo assunto, só que lá na Cidade de Deus, ele recuou e acabou vendo que havia muita diferença entre o que nós iríamos fazer e a realização de baile Funk.

Estive ocupado naquela semana com algumas responsabilidades envolvendo minha carreira, e já que a roda era para o dia 19/07 eu não via tanta urgência para falar com o comandante.

Então entramos na semana do FUNK-SE, evento que seria no sábado dia 11/07, mas que iria discutir o Funk durante quatro dias em um colégio na Tijuca e eu fui convidado pra debater os quatro dias e ainda fizemos uma RODA DE FUNK no final do debate nos 3 primeiros dias.

Fui informado pelo Guilherme que o novo ofício, informando do dia 19/07 lá no Santa Marta, seria feito através do gabinete do Deputado Estadual Marcelo Freixo e não mais seria enviado somente à prefeitura, mas à secretaria de segurança publica. Na mesma semana cai o comando geral da PM.

Sexta feira, dia 10/07, fiquei sabendo que, o com a troca do comando geral, o comandante do 2ª BPM também iria ser mudado. Eu já estava pensando em ir ao batalhão somente na segunda-feira mesmo (dia da posse do novo comandante), achei ótimo.

Na segunda-feira, dia 13/07, acordo, me arrumo e antes de sair vou ler meus emails, e me deparo com declarações absurdas vindo de policiais militares acusando os bailes Funk de serem os culpados de diversos crimes acontecidos no final de semana na cidade.

Decidi não ir mais àquele batalhão, e por uma razão óbvia eu não tinha a menor condição psicológica de falar com nenhum ser de farda naquela ocasião.

A imprensa me procurou e eu não só dei minha opinião, como alertei sobre a censura que nós estávamos sofrendo no caso da RODA DE FUNK no Santa Marta.

Na terça-feira, dia 14/07, fui ao escritório do Doutor Nilo Batista para uma reunião que já estava agendada alguns dias antes e este me recebeu muito bem, acompanhado de outro grande advogado: Doutor João Tancredo.

Essa reunião foi marcada pelo nosso grande aliado e delegado de polícia Doutor Orlando Zaccone em uma reunião onde discutíamos os avanços que nós queríamos alcançar. Nessa reunião alem do Zaccone estava presente o nosso amigo do Funk Marcelo Yuka e o nosso grande jornalista Marcelo Salles, além de outras coisas marcamos a tal reunião com o Doutor Nilo Batista.

O pessoal do movimento DPQ (DIREITO PARA QUEM?) trabalhou em cima da possibilidade de um mandado de segurança, então foram comigo ao encontro com os advogados.

Estávamos pensando em duas possibilidades, a primeira de entrar com o tal mandado, a segunda era a aproximação com o novo comando. A segunda opção era a mais defendida pelo Doutores. Bom, se a nossa principal bandeira é a de conseguir espaço através da comunicação, esta acabou sendo a mais defendida por mim também.

No momento em que chegamos à conclusão de só entrarmos com o mandado de segurança depois de termos tentado um contato com o comando daquele batalhão, o Doutor Zaccone se encarregou de procurar saber quem nos podia ceder o telefone do comandante.

No momento que o Doutor Zaccone descobre o nome e o telefone do novo comandante do 2ª BPM eu recebo um telefonema que viria pôr fim àquela reunião.

O telefonema era do Major Oderlei (relações publicas da policia militar) querendo marcar uma reunião comigo na manhã seguinte, afim de explicar as declarações que apareceram na mídia, feitas por ele próprio e os demais oficiais. Encerramos a reunião e eu tratei de ligar pro Mano Teko vice-presidente da APAFUNK e pro Marcelo Salles, para que me acompanhassem nessa reunião com o Major Oderlei.

Manhã de quarta-feira 15/07, e eu me dirijo ao quartel-general da policia militar e encontro os meus parceiros que atenciosamente atenderam ao meu recado.

Entramos no quartel e fomos muito bem tratados, a preocupação do major era a imagem da polícia ter sido prejudicada com declarações que foram dadas equivocadamente (segundo ele) por policiais em um momento da perda de um colega.

Disse que o aumento do número da criminalidade em volta de alguns bailes em morros da Tijuca são relevantes, mas concordou que existem vários bailes na cidade e que o mesmo não acontece.

Disse que a policia militar não é e nem quer ser vista como inimiga do funk, e o que ele puder fazer para que isso aconteça irá fazer. Falei pra ele do trabalho da APAFUNK e o que nós estamos fazendo em função da realização da RODA DE FUNK no Santa Marta. Nos deu os parabéns pela APAFUNK e pediu que eu procurasse o novo comandante do 2ª BPM pra falar sobre a RODA DE FUNK.

Sinceramente, gostei da maneira que fomos tratados, pelo menos nos deixaram falar, mas hora nenhuma ele falou sobre o que o Funk sofreu com as declarações dadas por eles. A imagem do Funk é infinitamente mais prejudicada do que a da polícia com esse tipo de declarações.

Mas o assunto no momento é a RODA DE FUNK no Santa Marta, liguei pro Doutor Zaccone pra pedir o telefone do comandante.

Liguei pro comandante, avisei que queria um momento com ele e ele pediu que eu o procurasse na manhã seguinte.

Acordo na manhã de quinta-feira 16/07 e vou pro 2ª Batalhão falar com o Coronel Roberto Gil, comandante daquele batalhão.

Me recebeu com mais de uma hora de atraso, mas como ele pediu que eu ligasse antes de ir e eu não liguei, nem deu pra ficar chateado.

E não foi à toa que demorou pra me receber, tinha muita gente pra falar com ele, ele recebeu todo mundo e me deixou por último.

Entrei no seu gabinete, me recebeu juntamente com o seu subcomandante, desligou o celular, pediu na ante-sala que não fosse incomodado e pediu que eu ficasse à vontade. Falei durante uns 30 minutos sobre tudo que APAFUNK está fazendo e sobre a RODA DE FUNK no morro do Santa Marta.

Falou que admira nossa luta, que sabe que com o mandado de segurança a gente faz a RODA DE FUNK acontecer no Santa Marta ou em qualquer lugar,e que ele quer se aproximar disso o tanto que for preciso até pra ser uma voz a favor dentro da corporação.

Porém, pra isso acontecer ele precisa de uma semana e nada mais.

A educação e a humildade com que ele me pediu não me deixaram alternativa se não dizer que eu iria conversar com meus companheiros e que se eu não o ligasse naquele mesmo dia é porque eu teria optado por aceitar seu pedido.

Se fosse por mim eu iria aceitar na hora o seu pedido, mas tinha que consultar algumas pessoas que estão diretamente ligadas com essas decisões.

Depois de informar algumas pessoas e consultá-las sobre o ocorrido a decisão tomada foi adiar a RODA DE FUNK para o dia 26/07, mostrando mais uma vez que queremos dialogar.

Estive ontem, sexta-feira 17/07, no Morro do Santa Marta logo cedo, às 8 horas da manhã, pra gravar um programa de televisão e pude ouvir mais do Fiell. Ele falou que houve uma aproximação da Capitã Priscila com ele e que esta tinha pedido a mesma coisa que o comandante havia pedido pra mim, uma semana pra que ele tenha tempo de conhecer o terreno que ele está pisando. Como a MTV viria ao morro falar comigo sobre proibições de bailes através da lei 5265 ficamos no morro e acabamos encontrando a tão falada Capitã Priscila.

A fala dela foi idêntica à do Coronel Roberto Gil, querem que a RODA DE FUNK sirva de leme pra que eles possam, junto com a própria comunidade, descobrir mecanismos de mudança no tratamento de eventos culturais naquela comunidade depois da ocupação policial.

ESPERO QUE TODOS TENHAM ENTENDIDO, E QUE NÓS POSSAMOS FAZER COM QUE AQUELA FAVELA REALMENTE TENHA BOAS HERANÇAS DEPOIS QUE A RODA DE FUNK TIVER RODADO POR LÁ. FIQUEM COM DEUS E ATÉ DOMINGO 26/07, ÀS 4 DA TARDE, NA PRAÇA DO CANTÂO, NO MORRO DO SANTA MARTA.

M.c Leonardo
(PRESIDENTE DA APAFUNK)


sábado, 18 de julho de 2009

Setor sucroalcooleiro emprega quase 50% da mão-de-obra escrava



O setor sucroalcooleiro foi o ramo da economia que mais se utilizou da mão-de-obra escrava no ano de 2008. De acordo com dados da Campanha Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, 2.553 trabalhadores, o que representa 49% dos resgatados da escravidão, estavam no setor sucroalcooleiro. Assim como em 2007, os estados campeões em números de denúncias de uso de mão-de-obra escrava foram, novamente, o Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins.

Segundo o coordenador nacional da CPT, José Batista Afonso, o trabalho escravo se encontra tanto nos estados da região norte, onde predomina o antigo latifúndio, onde o destaque é a pecuária, como dentro do agronegócio moderno, presente mais nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, e onde o foco é a produção de agrocombustíveis.

“A questão central é a exploração do trabalhador e a garantia do lucro a qualquer custo por parte do empregador. Esse é o pano de fundo. Então tanto faz ser um empreendimento dos mais modernos possíveis quanto aquele mais arcaico lá no interior da floresta.”

José Batista afirma que as medidas implantadas pelo governo para o combate ao trabalho escravo são contraditórias. Por um lado há o incentivo a fiscalização da prática, mas por outro há o investimento nos setores que se utilizam deste tipo de exploração.

“Se o setor sucroalcooleiro é um dos maiores empregadores da mão-de-obra escrava, então você precisa diminuir os incentivos para este setor. Mas isso o governo jamais admite. Há cada vez mais recursos para os setores ligados ao agronegócio e para todas estas atividades que são elencadas como empregadoras da mão-de-obra escrava.”


Da Radioagência NP, Juliano Domingues.
www.radioagencianp.com.br

domingo, 12 de julho de 2009

"Função do Direito Penal é limitar o poder punitivo"


Entrevista Com E. R. Zafarroni, Ministro da Corte Suprema da Argentina.
Por Mariana Ito.


O argentino Eugenio Raúl Zaffaroni é considerado uma das maiores autoridades mundiais em Direito Penal na atualidade. Referência obrigatória na América Latina, é um dos responsáveis por fazer uma releitura crítica do Direito Penal. Juiz da Corte Suprema da Argentina, magistrado de carreira, exerceu a advocacia, passou rapidamente pela política em seu país e produziu uma vasta e conceituada obra sobre sua especialidade.

De passagem pelo Rio de Janeiro para participar de seminário prmovido pelo Instituto Carioca de Criminologia, Zaffaroni concedeu entrevista à Consultor Jurídico na qual resumiu o papel do Direito Penal. "A função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo." Para ele, cabe também ao Judiciário limitar o poder punitivo. "No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função." Quando isso acontece, explica, os juízes deixam de ser juízes e se tornam policiais "fantasiados" de juízes.

Crítico da mídia, que entende não só como sendo a imprensa e a TV, mas também a indústria do entretenimento, Zaffaroni acredita que é preciso ver a realidade sem se deixar levar por discursos de vingança. "A única coisa que chama a atenção são as pessoas mortas por roubo. Mortos por roubo, pelo menos no meu país, temos pouco. Temos um universo de homicídios em que a grande maioria é entre pessoas que se conhecem", diz.

Autor dos livros Em busca das penas perdidas e Teoria do delito, o criminalista já escreveu mais de 20 obras. Algumas, junto com grandes nomes do Direito Penal, como o brasileiro Nilo Batista, com quem escreveu Direito Penal Brasileiro.

Frequentador habitual de eventos no Brasil, não é raro ver o juiz da mais alta Corte de Justiça da Argentina assistindo palestras discretamente no fundo do salão. Ás vezes, até mesmo em traje esporte, sem assessores por perto e sem as formalidades tão caras ao meio juridico e acadêmico. “Não me imagino diferente”, diz a respeito de seu jeito informal.

Não por acaso Zaffaroni diz que levaria um dia para descrever seu currículo. Seu perfil biográfico exposto na página da internet da Corte Suprema de Justicia da Argentina gasta 160 páginas para listar cursos, títulos acadêmicos, cargos judiciais e executivos, livros, artigos e seminários dos quais já participou.

Zaffaroni nasceu em Buenos Aires, onde se formou em 1962. Foi juiz de alçada na capital argentina. Nos anos 90, dirigiu o Instituto Latino-Americano de Prevenção do Crime, das Nações Unidas, onde ficou por dois anos. Foi deputado constituinte em Buenos Aires e interventor no Instituto Nacional de Luta contra Discriminação. Exerceu a advocacia também por mais de dois anos até ser nomeado, em 2003, ministro da Corte Suprema da Argentina.

Questionado sobre sua passagem pela política, Zaffaroni a classificou como interessante. “Fiz parte de um partido que começou minoritário e, em um certo momento, se tornou a segunda força política do país. Depois sumiu. Bobagem dos líderes. Resultado da política espetáculo. A partir daí, deixei a política.”

Leia a entrevista


ConJur — Para que serve o Direito Penal?

Eugenio Raúl Zaffaroni — A função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo. O poder punitivo não é seletivo do poder jurídico, e sim um fato político, exercido pelas agências do poder punitivo, especialmente a polícia. Não estou falando da Polícia Federal ou da que está na rua e sim de todas as agências policiais, campanhas de inteligência, arquivos secretos, polícia financeira, enfim, agências executivas. Essas agências têm uma contenção jurídica que é o Direito Penal.

ConJur — Cabe ao Judiciário limitar o poder punitivo?

Zaffaroni — O Judiciário é indispensável para isso. A contenção é feita pelos juízes. Sem limites, saímos do Estado de Direito e caímos em um Estado Policial. Fora de controle, as forças do poder punitivo praticam um massacre, um genocídio. O Direito Penal é indispensável à persistência do Estado de Direito, que não é feito uma vez e está pronto para sempre. Há uma luta permanente com o poder. O Estado de Polícia se confronta com o Estado de Direito no interior do próprio Estado de Direito. Estar perto do modelo ideal de Estado de Direito depende da força de contenção do Estado Policial.

ConJur — Os juízes têm exercido a contento a função de limitar o poder punitivo?

Zaffaroni — Esse é o dever do Judiciário. No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função. Na medida em que os juízes traem sua função, tornam-se menos juízes, levando a um estado policial em que não há juízes, mas policiais fantasiados de juízes. Foi o que aconteceu na Alemanha nazista.

ConJur — Há uma tendência de o Judiciário aplicar o chamado Direito Penal do inimigo?

Zaffaroni — Estamos vivendo um momento muito especial. Hoje, não é fácil pegar um grupo qualquer para estigmatizá-lo, mas há um grupo que sempre pode virar o bode expiatório. É o grupo dos delinqüentes comuns. É um candidato a inimigo residual que surge quando não há outro inimigo melhor. Houve uma época em que bruxas podiam ser acusadas de tudo, das perdas das colheitas à impotência dos maridos. O que se pode imputar aos delinqüentes comuns é limitado, por isso é um candidato a bode expiatório residual. Nos últimos decênios, com a política republicana dos Estados Unidos, os delinqüentes comuns se tornaram o mais recente bode expiatório.

ConJur — Qual o resultado dessa escolha do inimigo?

Zaffaroni — Cria-se uma paranoia social, e estimula-se uma vingança que não tem proporção com o que acontece na realidade da sociedade. Através da história, tivemos muitos inimigos: hereges, pessoas com sífilis, prostitutas, alcoólatras, dependentes químicos, indígenas, negros, judeus, religiosos, ateus. Agora, são os delinqüentes comuns, porque não temos outro grupo que seja um bom candidato. Esse fenômeno decorre do fato de os políticos estarem presos à mídia. Seja por oportunismo ou por medo, eles adotam o discurso único da mídia que é o da vingança, sem perceber que isso enfraquece o próprio poder.

ConJur — De que maneira?

Zaffaroni — Ao adotar esse discurso, fomentam a autonomia das forças policiais, do poder que elas têm. Isso acontece porque a política ficou midiática. Não temos política de base, dirigentes falando com o povo; tudo é através da televisão. Eles estão presos aos meios de comunicação. Quando um juiz põe limites ao poder punitivo, a mídia critica e o político, montado sobre a propaganda da mídia, ameaça os juízes. A grande maioria de juízes está ciente disso e confronta a situação. Mas uma minoria tem medo. Com medo da mídia, da construção social da realidade, juízes acabam se tornando policiais.

ConJur — Nesse mundo paranoico, citado pelo senhor, qual o pior inimigo da sociedade?

Zaffaroni — Aquele que nega a existência da emergência. O pior herege era aquele que negava o poder das feiticeiras. E a mídia tem razão de quem são os piores inimigos dela, porque negando isso estão negando o poder da mídia. O problema é confrontar a mídia. Mas é o único jeito. Se ninguém obstaculiza o avanço desse mundo paranoico, inevitavelmente, vai acabar em genocídio.

ConJur — O juiz tem que lidar com as leis e as provas do processo. Mas em processos de grande repercussão, os juízes também têm de lidar com a imprensa. Como se dá essa relação?

Zaffaroni — O juiz ideal não existe. Como todo grupo, algumas pessoas são medrosas, outras são acomodadas e há as que assumem sua função. Cada um tem a sua consciência e sabe o que está fazendo. Na vida, nada é gratuito. Quem hoje está acomodado, amanhã pode ser vítima também do discurso de vingança. Os inimigos mudam muito rápido. O político ou o juiz que aceita ou aprova os excessos e as agências policiais fora de controle, está cavando o próprio túmulo. Porque amanhã, o inimigo muda e o político ou juiz corre o risco de virar ele próprio o bode expiatório.

ConJur — No Brasil, quando ocorre um crime mais chocante, os políticos tratam de apresentar leis penais mais severas.

Zaffaroni — Isso está acontecendo em todo o mundo. Essa prática destruiu os Códigos Penais. Nesta política de espetáculo, o político precisa se projetar na televisão. A ideia é: “se sair na televisão, não tem problema, pode matar mais”. Vai conseguir cinco minutos na televisão, porque quanto mais absurdo é um projeto ou uma lei penal, mais espaço na mídia ele tem. No dia seguinte, o espetáculo acabou. Mas a lei fica. O Código Penal é um instrumento para fazer sentenças. O político pode achar que o Código Penal é um instrumento para enviar mensagens e propaganda política, mas quando isso acontece fazemos sentenças com um monte de telegramas velhos, usados e motivados por fatos que estão totalmente esquecido s, originários deste mundo midiático. Ao mesmo tempo, a construção da realidade paranóica não é ingênua, inocente ou inofensiva. É uma construção que sempre oculta outra realidade.

ConJur — Como assim?

Zaffaroni — A mídia não fala da destruição do meio ambiente, das doenças tradicionais, das carências em outros sentidos. A única coisa que chama a atenção são as pessoas mortas por roubo. Mortos por roubo, pelo menos no meu país, temos poucos. A grande maioria dos homicídios é de pessoas que se conhecem. A primeira causa de morte violenta, na Argentina, é o trânsito. A segunda é o suicídio; a terceira, homicídio entre pessoas que se conhecem; em quarto, muito longe, vem homicídio por roubo. Mas nas manchetes dos jornais o que sai é homicídio por roubo. Ou seja, a primeira ameaça é atravessar a rua. A segunda é o medo, a depressão, psicose, melancolia; o terceiro é a família, os amigos, e no final, os ladrões. Essa é a realidade das mortes violentas na Argentina. E nem estamos falando de mortos por doenças que poderiam ser curadas se as pessoas fossem atendidas adequadamente.

ConJur — Mas as pessoas não matam por causa da mídia.

Zaffaroni — Ninguém vai sair na rua para matar por causa de uma série de TV. Mas a propaganda contínua de violência na mídia, através das notícias ou do entretenimento, projeta a impressão de que a violência é uma escolha possível. Posso me tornar advogado, médico, trabalhador braçal, ou também posso roubar. É a banalidade da violência. Essa propaganda está caindo em uma sociedade que é plural, onde há pessoas frágeis ou que têm patologias. O efeito reprodutor disso é inevitável. E a propaganda contínua de que há impunidade é uma mensagem de incitação. Algo como: faça qualquer coisa que não vai acontecer nada.

ConJur — Uma parcela da sociedade defende que a polícia deve prender logo e que não precisa ter um processo judicial lento.

Zaffaroni — Sem dúvida. O discurso retroalimenta- se. Essa retroalimentaçã o do discurso sai para a rua em uma mensagem de incitação. Pessoas estão recebendo uma mensagem de instigação ao crime permanentemente, o que produz um efeito. Não há um fator preventivo. Esse discurso também tem outra função. Temos uma categoria de pessoas que são os excluídos. Excluído é aquele que é de plástico, descartável. O explorador precisa do explorado. O incluído não precisa do excluído. O excluído está fora do sistema produtivo. A técnica é introduzir cada vez mais contradições dentro da própria faixa de exclusão social.

ConJur — A criminalização é seletiva?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Sem dúvida. Em uma cadeia, encontra-se a faixa dos excluídos que são criminalizados. Mas, na outra ponta, percebemos que as vítimas pertencem basicamente à mesma faixa social, porque são aqueles que estão em uma situação mais vulnerável, não têm condições de pagar uma segurança privada, por exemplo. Eles ficam nas mãos do serviço de segurança pública que sofreu grande deterioração e cada dia se deteriora mais. E o policial, em geral, é escolhido na parte carente da sociedade. Enquanto os pobres se matem entre si, “tudo bem”. Eles não têm condições de falar entre eles, de ter consciência da situação, de coligar-se para nada, de ter nenhum protagonismo político. Assim estão p erfeitamente controlados. A tecnologia moderna de controle dos excluídos já não consiste em pegar os cossacos do czar para controlar a cidade. Não. A técnica é mais perversa: colocar as contradições no interior da mesma faixa social e fazerem com que se matem uns aos outros.

ConJur — Mas, hoje, também percebemos que há um discurso de que é necessário não prender apenas os pobres. Prender ricos passa a ser uma amostra de que quem tem dinheiro também vai para a cadeia.

Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. O rico, às vezes, vai para a cadeia também. Isso acontece quando ele se confronta com outro rico, e perde a briga. Tiram a cobertura dele. É uma briga entre piratas. Nesse caso, o sistema usa o rico que perdeu. E, excepcionalmente, o derrotado acaba na cadeia. Mas ter um VIP na prisão é usado pela mídia para comprovar que o sistema penal é igualitário. É a contracara do self-made man. Ou seja, tem aquele que vende jornal na porta do banco, e que foi trabalhando, tornou-se funcionário do banco, depois gerente e agora tem a maioria do pacote acionário da instituição. Como essa sociedade tem mobilidade vertical, este chegou a ser presidente ou dono do banco. E veja como esta sociedade é igual itária. Ele caiu e, hoje, está na cadeia. Mas o rico que está preso é sempre um VIP que perdeu para outro mais forte do que ele.

ConJur — O senhor disse que a tendência das cadeias é de desaparecerem. Como será isso?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Não é uma tendência atual, mas vai acontecer nos próximos anos. Vamos ter uma luta econômica entre a indústria da cadeia e de segurança com a indústria eletrônica. No momento, a indústria da cadeia é forte, pelo menos nos países centrais, como Estados Unidos. Mas, no final, a indústria eletrônica vai ganhar.

ConJur — Então é a cadeia física que vai desaparecer?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. Vamos ter uma cadeia eletrônica e a tradicional vai sumir. É uma luta econômica. Com uma nova geração de chips, tecnologicamente, não vai ter necessidade de ter muros nas prisões. Com microchips embaixo da pele, vamos ter um controle de movimento do sujeito. Se o sujeito sair do itinerário prefixado, o chip faz disparar um mecanismo que causa uma dor paralisante por exemplo. Vamos ter a casa inteligente, mas isso também é uma cadeia. A gente acorda de manhã, põe o pé no chão e a casa já sabe se a gente vai para o banheiro, quer o café com leite, já prepara a comida. Tudo muito bonito, mas é uma cadeia também.

ConJur — Na medida em que isso acontece, não há risco de pessoas, que não cometeram crime e que não foram condenadas, passarem a ser monitoradas também?

Zaffaroni — Felizmente isso vai acontecer quando eu já não estiver neste mundo. Se isto acontecer quando eu estiver neste mundo, vou virar um terrorista e destruir toda essa aparelhagem eletrônica. Acho que não vou ter tempo, estarei muito velho para isso. Mas se não é esse o grande perigo, ainda há um. Se continuarmos nessa direção, em certo momento, as próprias pessoas, com medo de serem seqüestradas ou roubadas, vão optar por serem monitoradas. No final, o Estado ou as agências executivas vão ter um controle terrível. E essas pessoas vão necessitar de nós, os terroristas, para destruir esse controle. Se pensarmos sobre os controles que temos, hoje, sobre cada um de nós e os que tinham os nossos avós, vamos perce ber que estamos muito mais controlados, presos. Se os criminosos não existissem, o poder teria de inventá-los para poder controlá-los. .

ConJur — Ainda existe a ideia da cadeia como forma de ressocializar o preso ou essa discussão já foi superada?

Zaffaroni —A ideia de de ressocializaçã o é própria do estado previdente, do welfare state. O liberalismo econômico destruiu o welfare state e passou a existir a ideia de cadeia reprodutiva, que são gaiolas. A cadeia se tornou uma forma de vingança.

ConJur — O Judiciário no Brasil está fazendo mutirões carcerários para garantir benefícios aos presos. Como o senhor vê essa iniciativa?

Eugenio Raúl Zaffaroni — A única solução é ter na cadeia o número de pessoas para as quais podemos oferecer condições mínimas de dignidade. De outro jeito, vamos ter sempre cadeias superlotadas. A única solução é ter um sistema de cotas. Se temos 2 mil vagas, só podemos ter 2 mil presos. Não podemos ter mais.

ConJur — Mas caberia ao juiz decidir quem vai para a cadeia ou não em uma situação dessa.

Eugenio Raúl Zaffaroni — Pode ser do legislador ou do juiz. Pode tirar aquele que só tem dois meses de pena para cumprir. O número de presos é uma decisão política de cada estado. Em todo mundo, há previsão para que a pena seja cumprida dentro da prisão no caso de matar ou estuprar alguém. Já no caso de crime muito leve, não há previsão para que o contraventor seja encaminhado à prisão. Mas, no meio, tem uma faixa inesgotável de criminalidade média, em que a pessoa pode ou não ir para a cadeia. Essa é uma decisão política, não é uma circunstância. Isso explica situações totalmente absurdas. Os Estados Unidos têm o mais alto índice de pessoas presas do mundo. O Canadá, que está do lado, tem um dos mais b aixos. Mas não é porque no Canadá os homicidas estejam na rua. Essa escolha é política.

ConJur — E como funcionam as interceptações telefônicas na Argentina. Há abuso nesse tipo de medida?

Eugenio Raúl Zaffaroni — São dispostas pelo juiz. Não tenho dados sobre quantas há no país. Existindo motivos suficientes, o juiz autoriza a interceptação telefônica, que é registrada através de uma central. Sempre com autorização.

ConJur — E tem prazo máximo para que a interceptação seja feita?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Não. Não é indefinidamente, deve ser feita durante a investigação. Como temos juiz instrutor, toda investigação é controlada por ele. Cada passo da investigação requer uma autorização do juiz. Depois, podemos analisar se a decisão foi razoável. No caso de não ser, a prova é considerada nula. Não temos grandes problemas nesse sentido.

ConJur — No Brasil, talvez pelo modo como a Constituição foi elaborada, quase tudo fica a cargo do Supremo dar a palavra final. Isso também acontece na Argentina?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim, inevitavelmente. Isso não significa que tudo seja resolvido pelo Supremo. Nós rejeitamos muitas coisas. Mas todo mundo procura chegar à Corte. Temos, por ano, 15 mil processos para sete ministros. Desses, rejeitamos quase 14 mil.

ConJur — Habeas corpus também vai para o Supremo?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Habeas corpus não. Amparo, que é um recurso, sim. Se alguém está preso cautelarmente e quer a liberdade, pode recorrer à Corte através de recurso ordinário. Porque achamos que a privação da liberdade equivale a sentença definitiva.

ConJur — E demora até esse recurso chegar à Corte Suprema?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. Temos o mesmo poder que a Corte dos Estados Unidos de escolher. Então, na maioria dos casos, rejeitamos.

ConJur — O senhor disse que a privação da liberdade equivale a uma sentença. No caso de alguém que já foi condenado em primeira instância, vai preso ou pode responder todo o processo em liberdade?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Pode continuar o processo em liberdade. Se estava em liberdade, a sentença não está firme. Mas é excepcional. É a prisão cautelar que pode chegar até a Corte. Prisões não fundamentadas ocorrem em poucos casos. A maioria sabe que chegando à Corte, não é viável. Tem que ser uma situação muito excepcional, um processo muito arbitrário. Não é o normal.

ConJur — O ministro Antonin Scalia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, disse que o papel do Judiciário é aplicar leis feitas pela vontade do povo através de seus representantes no Congresso. Assim, não cabe ao juiz decidir além do que está expresso na lei. O senhor concorda com essa visão?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Na medida em que o legislador não tenha usurpado a função do constituinte, sim. Se o legislador criou uma lei que não está em consonância com o sentido constituinte, é função do juiz aplicar a Constituição e não a lei do legislador.

ConJur — Mas e o que não é previsto em lei?

Eugenio Raúl Zaffaroni — O que não está previsto na lei, do ponto de vista penal, não é nada. E do ponto de vista civil, tem que ser resolvido de igual forma. De outro jeito, ficaria aberta uma guerra civil.

ConJur — Em sua opinião, o Judiciário serve para fazer justiça?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Não acredito muito na Justiça como valor absoluto. A função do Judiciário é resolver conflitos. Nesse sentido, o Judiciário é um serviço. E um serviço público. Se funciona bem ou mal, isso acontece como em qualquer serviço público.

ConJur —Recentemente, a Argentina reviu a lei de anistia. Como foi esse processo?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Não, não houve uma revisão. A lei foi anulada. O Congresso declarou a nulidade de uma lei. Eu acho que o Congresso não pode declarar nula uma lei por razões que não sejam formais. Por razões de fundo é muito complicado. Mas de qualquer maneira nós declaramos que a lei era totalmente inconstitucional, seguindo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Argentina condenou só os comandantes. Depois declararam a anistia, mas o governo Menem indultou os condenados. Nós declaramos a nulidade da anistia e dos indultos. Declaramos a nulidade de tudo.

ConJur — Qual foi o argumento?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Estava contra o que nós tínhamos ratificado no tratado interamericano de Direito Humanos. O Tratado Interamericano proíbe essas leis.


terça-feira, 7 de julho de 2009

Coronel prende cabo da PM que agrediu jovem de 14 anos e dá lição de cidadania na tropa

Paulo Carvalho - Extra


RIO - O estudante João (nome fictício), de 14 anos, cuidava dos dois irmãos menores, na manhã desta sexta-feira, em sua casa, na favela Gogó da Ema, em Belford Roxo. Nas ruas da comunidade, 70 PMs de todos os batalhões da Baixada Fluminense - entre eles o cabo Alessandro Azevedo Bruno, do 39º BPM (Belford Roxo) - faziam uma operação de repressão ao tráfico. Por volta das 9h, as histórias de João e do cabo Bruno se cruzaram: segundo o adolescente, ele teve a residência invadida, foi agredido, torturado e humilhado pelo policial. Mas, ao contrário de outros casos de violência contra moradores de favelas - que acabaram na vala comum do esquecimento ou da impunidade -, desta vez a coragem de um pai e a presença de um oficial da Polícia Militar mudaram o rumo da história: o cabo foi identificado e, diante da tropa, recebeu voz de prisão e teve a arma tomada pelo coronel Paulo César Lopes, comandante do 3º Comando de Policiamento de Área.

Operação interrompida

Na 54ª DP (Belford Roxo), onde foi feito o registro do caso, João fez um relato emocionado do fato. Segundo o menor, o cabo Bruno entrou na casa perguntando por armas e drogas. Ao responder que ali não havia nada, o garoto disse ter recebido o primeiro tapa, do lado esquerdo do rosto.

João afirmou que, logo depois, o policial colocou um saco plástico na sua cabeça, prendendo a respiração. O menor disse que ainda levou um socos no peito e chegou a ficar desacordado.

Ao saber do episódio, o pai do menor, o autônomo Pedro (nome fictício), correu para casa. Quando o coronel Lopes chegou à entrada do Ciep Grande Othelo, dentro do comunidade, Pedro não hesitou em denunciar a agressão ao comandante, mesmo na presença do acusado.

"Este é um exemplo a ser seguido por todos os policiais "

Assim que ouviu a queixa do morador, o comandante ordenou que todos os policiais na operação fossem convocados e ficassem perfilados no pátio do Ciep.

Quando o cabo Bruno foi finalmente identificado por um trêmulo e assustado João, Lopes deu voz de prisão ao praça. O PM preso foi autuado por abuso de autoridade.

- Polícia não é feita para dar porrada. Tem que respeitar para poder ser respeitado - disse o comandante.


Apoio a comandante da PM que repreendeu cabo por agressão
Eliane Maria, Paulo Carvalho, Sérgio Meirelles, Extra

Coronel Paulo César Lopes repreende cabo que agrediu menor em uma operação da polícia

RIO - A repreensão pública a um cabo da Polícia Militar acusado de agressão a um menor de 14 anos durante uma operação na favela Gogó da Ema, em Belford Roxo, na sexta-feira, será levada como exemplo para a Anistia Internacional. De acordo com o presidente da Comissão de Direitos da Alerj, deputado Marcelo Freixo (PSOL), a atitude do comandante do 3 Comado de Policiamento de Área (3 CPA), coronel Paulo César Lopes, responsável pela Baixada, deve servir de modelo para toda a polícia:

- É algo para servir de exemplo, para entrar na história da polícia do Rio de Janeiro. Vou relatar esta atitude para entidades de Direitos Humanos, como a Anistia Internacional e a ONU.

Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), concorda:

- É uma virada histórica na posição predominante dos comandantes, que sempre desconfiam da denúncia da população, mesmo quando ela é convincente. O coronel teve coragem de reconhecer que a tropa se excedeu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Roda de Funk no Dona Marta é proibida pela PM



Voltamos à ditadura?
Por Marcelo Salles, 29.06.2009 - www.fazendomedia.com


Se voltamos ou se nunca saímos dela é um debate interessante, que vou deixar pra depois. Agora o que precisa ser feito é uma denúncia, grave: a PM proibiu uma manifestação político-cultural que seria realizada neste domingo (28/6), na favela Dona Marta, que fica em Botafogo, na Zona Sul carioca.

O evento estava sendo organizado pela Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk), que desde o ano passado vem promovendo rodas de funk em universidades, na Central do Brasil, na Cidade de Deus e em outros lugares. Segundo o tenente-coronel Gileade Albuquerque, comandante do 2º Batalhão, responsável pela região, o evento poderia trazer riscos à segurança da favela. Rumores indicam que ele teria ameaçado cercar a área com a tropa de choque, caso a atividade fosse realizada.

Eu estive no Dona Marta há duas semanas, mais precisamente no bar do Zé Baixinho. Conversei com Emerson dos Santos, o Fiell, promotor de um evento político-cultural chamado Pago-Rap, que mobilizava cerca de cem pessoas a cada 15 dias em torno de música e de mensagens políticas de resistência. Ele disse que a PM proibiu o evento sem dar maiores explicações. Vários outros moradores da favela criticaram a presença da polícia. Muitos argumentaram violação do direito à expressão.

Questionei a capitã Priscila, que comanda o patrulhamento na favela. Perguntei o porquê da proibição do Pago-Rap. Ela disse que só poderia falar se autorizada, mas que mesmo assim se recusaria a dar declarações a esse respeito.

MC Leonardo, presidente da APAFunk, declarou: “Ninguém no mundo tem o direito de perseguir a cultura”. E disse que não vai desistir. A partir de hoje vai correr gabinetes parlamentares e favelas em busca de apoio. Depois vai ao comandante do 2º Batalhão solicitar autorização, assim como fez antes de realizar o evento na Cidade de Deus. Se ele não autorizar, vai fazer o evento mesmo assim.

Seria bom que os colegas blogueiros ficassem atentos a este tema, pois será preciso convocar e participar da roda de funk no Dona Marta. Já que a situação chegou a este ponto e como tem gente disposta a resistir, o mínimo que podemos fazer é dar visibilidade a esta luta.

Sobre as corporações de mídia: espero que divulguem também, pois o preconceito em relação ao funk também nasce e cresce a partir da cobertura superficial e tendenciosa dos veículos de massa. Pode ter certeza que se na Cidade de Deus participaram mil e não dez mil pessoas, isso tem a ver com a associação constante entre funk e atividades ilícitas.


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Nota da Apafunk - 26 de junho de 2009:
Manifestação pela liberdade cultural no Santa Marta é proibida


Roda de funk prevista para a tarde deste domingo (28/6) no Morro Santa Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, foi proibida pelo comando do batalhão de Polícia Militar da área. A manifestação político-cultural foi organizada pela Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e pelo movimento Visão da Favela, como atividade da campanha Funk é Cultura, em defesa da liberdade de expressão cultural, pelo direito dos artistas populares ao trabalho, contra o preconceito e a criminalização do funk e da cultura popular.

Sob o lema Paz sem voz é medo, o ato previa uma apresentação teatral, graffite e apresentação de rappers e funkeiros com letras de resgate do funk de raiz, de compromisso social. A Apafunk nasceu da união de MCs e DJs para buscar, por meio das rodas, a conscientização da sociedade em relação ao fato de que nem toda letra de funk contém pornografia ou apologia ao crime.

Ao longo de um ano de luta, artistas de outras vertentes culturais populares se articularam com o movimento na promoção de debates e rodas de funk pela cidade.
Em um contexto de repressão rotineira ao funk, pela primeira vez a Polícia Militar proíbe uma manifestação da campanha. No Santa Marta, alguns agentes culturais têm enfrentado dificuldades na realização de eventos artísticos, assim como em outros locais do Rio sob modelo de policiamento semelhante — como na Cidade de Deus, na Zona Oeste, e no Morro da Babilônia/ Chapéu Mangueira, na Zona Sul.

Os organizadores da manifestação vão continuar cobrando das autoridades públicas o direito à livre manifestação e à expressão cultural das comunidades.